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Vacina Calix Coca para tratamento de viciados em cocaína

Felipe Silva Mesquita, Gabriel Henrique Silveira Andrade, Geicielly da Costa Pinto, Lorrayne dos Santos, Marina Carvalho de Faria, Vitor de Morais Santos, Vitor Hugo Passos Monteiro

Graduandos do curso de Farmácia (UFSJ-CCO)

v.2, n.3, 2024
Março de 2024

O uso de narcóticos entorpecentes tem sido um grande problema social há anos. Dentre eles encontra-se a cocaína (Figura 1), um composto derivado de uma planta conhecida popularmente como coca boliviana. A droga possui muitas formas disponíveis no mercado ilegal e diversas vias de administração (intranasal, intravenosa ou fumada).

Estes fatos a colocam na lista das drogas ilícitas mais consumidas mundialmente nas últimas três décadas, perdendo somente para a Cannabis sativa (maconha). Esses estimulantes são procurados por causa de seus efeitos imediatos e viciantes que causam euforia com consequente melhora de humor, alívio de curta duração de sintomas depressivos e de ansiedade, além de intensa excitação sensorial [1].

Entretanto, o uso dessas substâncias psicoestimulantes trazem complicações graves ao organismo do usuário, como prejuízos cardiovasculares, pulmonares, neurológicos, sistêmicos e  obstétricos [1] .

Diante disso, é necessária a criação de novos métodos para diminuir essa problemática na saúde da sociedade. Devido à história da cocaína ser muito antiga, há relatos de abuso das substâncias que ela possui há mais de 4500 anos nas civilizações pré-colombianas. Nesse âmbito, grande número de pesquisadores em todo o mundo buscam  desenvolver estudos no  intuito de auxiliar o tratamento  dos dependentes que lutam para abandonar o vício. Tal feito é dificilmente atingido por usuários sem ajuda farmacológica. Neste âmbito, o Dr. Frederico Duarte Garcia (Figura 2), formado na Universidade Federal de  Minas Gerais (UFMG), começou a pesquisar sobre uma possível vacina [2]. 

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Figura 1: Cocaína.

Fonte: https://saoraimundo.com

Para entendermos melhor sobre a origem da vacina, a qual está em fase clínica de ensaios, é importante conhecermos um pouco mais sobre seu criador. O coordenador da pesquisa, professor Frederico Garcia é membro do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Além de ter cursado medicina nesta instituição, ele também é doutor em  Biologia Celular e Molecular pela Universidade de Ruão, na França. Frederico também possui formação em terapias comportamentais e cognitivas, e atua na área de psiquiatria e neurociências. É possível perceber que a formação de Garcia foi capaz de fornecer a bagagem de conhecimentos necessária para embasar  o estudo e a criação de uma vacina tão inovadora, que será melhor explicada a seguir [3]. 

 

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Figura 2: Dr. Frederico Duarte Garcia

Fonte: https://www.ufmg.br

A invenção da vacina Calix Coca foi idealizada com base na necessidade de oferecer-se um apoio farmacológico efetivo para o tratamento de gestantes dependentes. Em 2014,  o  Ministério Público publicou  uma  norma obrigando os  médicos a declarar, nomomento do parto, se a mãe foi ou é usuária de drogas. Essa norma, no entanto, não vigora mais, pois foi considerada uma “desqualificação de famílias com pessoas com dependência química ou trajetória de rua”, pelo Ministério Público [3].  Como consequência dessa norma antiga, os bebês eram encaminhados para adoção, causando sofrimento às mães dependentes devido a dificuldade de largar o vício mesmo sabendo que precisam durante a gestação. O maior risco da droga associada a gestação se deve ao fato de a molécula exibir considerável  lipossolubilidade, ou seja, a cocaína atravessa a placenta por difusão simples e age diretamente sobre o feto, causando diversas repercussões negativas, entre elas:  crescimento intrauterino restrito; diminuição da circunferência cefálica; atraso global no desenvolvimento psicomotor; e aumento do número de partos prematuros [4]. 

O Dr. Frederico chegou a vivenciar situações em que essas mulheres imploravam por ajuda para abandonar a dependência. Então, diante dessa situação crítica e recorrente, ele começou a trabalhar neste projeto para desenvolver uma vacina com o intuito de ajudar essas mães, tanto no tratamento para dependência quanto na proteção do feto das sequelas de uma gestação sob o uso da droga. Um percurso de 10 anos permitiu a construção de equipe multidisciplinar no âmbito da Universidade envolvendo professores da áreas diversas como Medicina, Química, Farmácia, Veterinária e Direito. Durante este período foi ainda possível a obtenção de recursos para que os pesquisadores pudessem trabalhar nessa pesquisa [3].

O projeto da vacina anticocaína GNE-KLH, conhecida popularmente como Calixcoca, foi a iniciativa premiada com 500 mil euros na segunda edição do Prêmio Euro de inovação na saúde. Com intuito de ser uma solução para os problemas de saúde que a dependência química pode ocasionar, essa vacina foi produzida com anticorpos (Figura 3), denominados pelos criadores de  V4N2 e V8N2. Essas moléculas são proteínas que aderem a estruturas chamadas de antígenos, que no caso analisado seria a molécula de cocaína. Para o desenvolvimento da vacina foi utilizada versão modificada da droga: o calix[ n ]areno de cocaína [5]. Com isso, ao ser administrada no dependente químico, ela induz o sistema imune do paciente a produzir anticorpos capazes de se ligarem à cocaína na corrente sanguínea, após o consumo da droga. Essa ligação antígeno-anticorpo transforma a droga numa molécula grande suficiente para não passar pela barreira hematoencefálica, barreira entre a circulação sanguínea e o sistema nervoso central, a qual possui a função natural de barrar que cheguem ao cérebro substâncias tóxicas  e  nocivas.  A  pesquisa  já  passou  por  testes pré-clínicos  aplicando a  proteína imunógena nos camundongos; neles foram averiguadas a segurança e eficácia para a continuação dos testes do novo tratamento da dependência em questão [5]. Com essa etapa finalizada foi possível estipular uma prevenção de consequências obstétricas e fetais graves da exposição à droga durante a gravidez em animais. 

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Figura 3: Anticorpo se ligando no antígeno

Fonte: https://www.interactive-biology.com

Atualmente, apesar dos esforços médicos e governamentais para educar a população sobre os perigos do uso de cocaína, seu uso continua sendo um grande desafio social, principalmente entre os jovens. Até hoje não há um medicamento específico para tratamento da dependência química de cocaína no Brasil. Assim, a abordagem terapêutica mais aconselhada envolve um tratamento psicossocial concomitante com uso de medicamento anti-craving que tem o intuito de  amenizar o desejo compulsivo de consumir a droga [1]. Entretanto, com a finalização dos testes clínicos da inovadora vacina Calix Coca, produto de uma pesquisa nacional, o mundo terá mais um avanço biotecnológico e científico em prol da saúde pública, principalmente nas áreas obstétrica e pediátrica com relação aos problemas consequentes ao uso de cocaína por gestantes.

Referências Bibliográficas

[1] Lacoste J, Delavenne-Garcia H, Charles-Nicolas A, Duarte Garcia F, Jehel L. Addiction à la cocaïne et aux psychostimulants. Presse Med. 2012; 41(12 Pt 1): 1209-1220. https://doi.org/10.1016/j.lpm.2012.07.013

[2] Ferreira PEM, Martini RK. Cocaína: lendas, história e abuso. Brazilian Journal of Psychiatry. 2001; 23(2): 96–99. 

[3] Garcia, F. Entrevista com o Dr. Frederico Duarte Garcia. Temporalidades – Revista de História. 2023;  15(1): 39.

[4] Cembranelli E et al. Consequences of cocaine and methamphetamine during pregnancy. FEMINA. 2012; 40: 1-10.

[5] Silva Neto L, da Silva Maia AF, Godin AM, de Almeida Augusto PS, Pereira RLG, Caligiorne SM, Alves RB, Fernandes SOA, Cardoso VN, Goulart GAC, Martins FT, das Neves MCL, Garcia FD, de Fátima Â. Calix[n]arene-based immunogens: A new non-proteic strategy for anti-cocaine vaccine. J Adv Res. 2021; 38: 285-298. https://doi.org/10.1016/j.jare.2021.09.003.

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