Entrevista:
Bianca de Oliveira
BIANCA DE OLIVEIRA
Bianca de Oliveira é bacharel em Bioquímica e Mestra em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Doutora em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com período doutorado-sanduíche (CAPES PriInt) na University of York (UK). Atua no Centro de Tecnologia em Vacinas (CT-Vacinas) e no Instituto René Rachou (FioCruz-Minas), desenvolvendo projetos nas áreas de vacinas e kits diagnósticos.
Foi Professora Residente da UFMG através do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT). É fundadora do canal do Youtube Traduzindo a Imuno. Durante toda sua formação acadêmica, empreendeu projetos de democratização e popularização da ciência, visando a fomentar o interesse pela investigação científica em crianças e jovens da comunidade
Ana Clara Rodrigues Diniz, Danielle Ferreira de Souza, Emanuelle Vaz Gontijo, Filipe Henrique de Oliveira,
Isabela Duarte Arruda, João Victor Gonçalves de Araujo e Paula Augusta Silva Santos
Graduandos do curso de Medicina (UFSJ-CCO)
v.2, n.1, 2024
Janeiro de 2024
1. Quando percebeu que possuía interesse por ciência?
Acredito que a ciência sempre me intrigou. Eu era uma criança muito curiosa, que buscava respostas, que queria ir além, investigar. À medida que fui crescendo, esse interesse foi tomando nome e forma. Passei a ser chamada de cientista apesar de achar que aquela criança questionadora também fazia ciência. Durante toda minha formação acadêmica, seja nas aulas de ciências ou nas feiras escolares, esse ímpeto apenas floresceu. Na época dos vestibulares, já sabia que era por esse caminho que desejava seguir – por esse caminho das hipóteses, dos questionamentos, das descobertas, que sempre me interessou.
2. Teve dúvidas ao realizar a escolha do curso de graduação?
Eu não tive dúvidas ao escolher meu curso de graduação. Ao considerar que a maioria das pesquisas científicas no Brasil é desenvolvida nas universidades federais, conduzidas por mestres, doutores e pós-doutores, restou evidente o caminho a seguir ante o meu anseio pela carreira na ciência. Assim, busquei um curso que oferecesse aprendizado amplo na área da saúde, com ênfase em pesquisa e viés tecnológico. Foi dessa forma que optei pelo curso de graduação em Bioquímica, uma escolha direta, ponderada e alinhada aos meus objetivos.
3. O que considera ter sido decisivo em sua escolha por seguir a carreira científica?
Eu sempre quis desenvolver pesquisas científicas, cujos impactos suplantassem o laboratório e alcançassem toda comunidade. Acredito que minha graduação exerceu papel significativo na reafirmação e consolidação desse anseio, bem como no direcionamento de minha carreira na ciência. Foi durante a graduação que a disciplina de Imunologia me despertou atenção, área pela qual minha formação se enveredou. Além disso, durante a iniciação científica, trabalhei no desenvolvimento de vacinas. Observar o potencial impacto da produção dessa tecnologia deixou evidente com o que eu desejava trabalhar.
4. Qual a principal motivação para seguir trabalhando com ciência no Brasil?
Eu trabalho em um laboratório de ponta no país, que avançou quanto a estudos clínicos em humanos utilizando tecnologia 100% nacional. A vacina para leishmaniose, à qual me dediquei durante meu doutorado e, agora, dedico-me no pós-doutorado, está em processo para aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Contamos com mentes brilhantes que, dispondo da infraestrutura devida, transformam ideias em realidade. Além disso, no Brasil, nosso foco é direcionado para questões e demandas nacionais, como as doenças negligenciadas, a exemplo da leishmaniose, que foi o cerne dos meus estudos durante o doutorado. Acredito que seja por isso que sigo trabalhando com ciência no país, motivada pelo interesse em impactar a vida daqueles cuja realidade pode permanecer distante dos laboratórios de outros países.
5. Qual a principal dificuldade que enfrenta trabalhando com ciência no Brasil?
Eu acredito que o principal obstáculo enfrentado por cientistas no Brasil é a desvalorização, o que, muitas vezes, corrobora com a limitação de recursos financeiros e de infraestrutura, bem como impacta o reconhecimento profissional. Além disso, a dependência de insumos importados ocasionalmente prolonga nossos prazos de trabalho. Por isso, sempre reitero a premência em fomentar a pesquisa científica nacional e seus agentes, desenvolver mecanismos próprios para o seu fortalecimento e garantir independência e pioneirismo científico.
6. Quais as principais diferenças que você notou entre trabalhar com ciência no Brasil e no Reino Unido?
Trabalhar com ciência no Brasil e no Reino Unido foi/é uma experiência enriquecedora. O laboratório em que trabalho no Brasil possui um forte impacto nacional, dispondo de notáveis recursos e infraestrutura, além de experts em várias áreas da ciência. Todavia, percebi diferenças no que concerne à agilidade na obtenção de reagentes e insumos no Reino Unido. Além disso, ressalto o reconhecimento profissional dos pesquisadores nas instituições britânicas, em contraste com o modelo de bolsas ofertado no Brasil. Essa distinção é crucial, pois a valorização profissional contribui para obtenção de investimentos mais robustos na pesquisa e em seus profissionais, resultando em respostas mais abrangentes para resolver desafios científicos nacionais e promover avanços imperiosos para toda população.
7. O que gostaria de dizer para quem deseja seguir a carreira científica?
Seguir a carreira científica pode tornar o caminho desafiador, mas definitivamente muito gratificante. Nem sempre as pessoas compreenderão a importância do papel desempenhado pelo cientista, especialmente no Brasil. Nos últimos anos, com o advento da pandemia, restou claro que, conquanto a resposta ao vírus se encontrava substancialmente no trabalho empreendido por pesquisadores de todo mundo, convicções falaciosas e notícias falsas se sobrepunham às recomendações científicas, conjuntura que evidencia a desvalorização da ciência no país. No entanto, a paixão pela busca do conhecimento, que instigou tantos cientistas ao longo da história, os quais impactaram significativamente o mundo como conhecemos atualmente, deve continuar nos intrigando. Persistência e dedicação são fundamentais para superarmos todas as dificuldades e, de fato, deixarmos também nosso impacto na ciência e na história.