A eliminação da transmissão da Elefantíase no Brasil
Felipe Silva Mesquita, Gabriel Henrique Silveira Andrade, Geicielly da Costa Pinto, Lorrayne dos Santos, Marina Carvalho de Faria, Vitor de Morais Santos, Vitor Hugo Passos Monteiro
Graduandos do curso de Farmácia (UFSJ-CCO)
v.1, n.3, 2023
Novembro de 2023
A Filariose Linfática (Elefantíase) é uma antroponose parasitária crônica, considerada uma das maiores causas mundiais de incapacidades permanentes ou de longo prazo. É uma enfermidade que ocorre pelo parasitismo por organismos classificados como helmintos pertencentes ao filo Nematoda. Essa parasitose é considerada endêmica (com grande prevalência) em várias regiões tropicais e subdesenvolvidas, atingindo 49 países da Ásia, da África e das Américas. Aproximadamente 1 bilhão de pessoas vivem em áreas de risco de contrair a parasitose, além de ser estimado em 100 milhões o número de portadores de filariose linfática no mundo [1]. No Brasil, na década de 1980, apenas algumas cidades do Recife e de Belém foram consideradas endêmicas. Porém, em 1990, foram notificados focos de transmissão no litoral nordeste do país, como nas cidades de Maceió, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista [2].
A enfermidade no continente americano é causada especialmente por uma espécie do parasito, a Wuchereria bancrofti (Cobbold,1877), que provavelmente foi introduzida nas Américas, inclusive no Brasil, pelo tráfico de escravos africanos durante o período colonial. O parasito acabou encontrando um bom vetor no Brasil, um mosquito com grande eficiência na transmissão da doença, além de condições climáticas apropriadas, conseguindo adaptar-se bem ao ambiente [2].
O ciclo biológico da W. bancrofti inicia-se com a fêmea do mosquito Culex quinquefasciatus (o vetor) ingerindo microfilárias (embriões) do sangue de um indivíduo infectado. Estas se desenvolvem em larvas infectantes dentro do mosquito e migram para a probóscida (aparelho picador do inseto). Esse período dura de 15 a 20 dias. A transmissão das larvas infectantes ocorre no momento do repasto sanguíneo, ou seja, elas escapam do lábio do mosquito e penetram na pele do hospedeiro durante a picada. Em seguida, as larvas migram para os vasos linfáticos e linfonodos do ser humano, onde se desenvolvem sexualmente. Posteriormente, os vermes adultos fêmeas produzem microfilárias que atingem a corrente sanguínea, reiniciando o ciclo quando o vetor pica este indivíduo [1].
Uma característica interessante observada na espécie W. bancrofti é a periodicidade noturna de suas microfilárias no sangue do hospedeiro. Durante o dia, elas se localizam em capilares profundos, como os pulmonares e durante a noite migram para os periféricos, mais superficiais. A explicação sobre a causa dessa periodicidade ainda não está plenamente esclarecida, mas há estudos que a relacionam com fatores químicos do sono. O horário do pico da microfilaremia periférica (presença das microfilárias no sangue dos capilares mais superficiais) coincide com o período em que o inseto vetor, o C. quinquefasciatus, preferencialmente se alimenta do sangue humano [1].
Entre as manifestações clínicas crônicas mais importantes da Filariose Linfática estão edemas (acúmulo anormal de líquido) de membros inferiores (Figura 1), seios e bolsa escrotal, que podem levar a pessoa à incapacidade [1]. No entanto, a filariose bancroftiana (causada por W. bancrofti) possui um amplo espectro clínico associado à presença dos parasitos adultos e varia desde a presença de indivíduos sem sinais clínicos aparentes (portador assintomático) até manifestações típicas de inflamação aguda no sistema linfático [2]. Com a progressão da doença, há esclerose (endurecimento) da derme e hipertrofia (crescimento) da epiderme, gerando a aparência peculiar da elefantíase, que é o aumento exagerado do órgão com ceratinização e rugosidade da pele, ficando a mesma similar à pata de elefante (Figura 1).
Figura 1: a. Edema linfático de membro inferior; b. Elefantíase de membro inferior esquerdo; c. Elefantíase com detalhe das alterações tróficas da pele associadas a lesões bacterianas e/ou fúngicas.
Em 1997, a Organização Mundial da Saúde elaborou a resolução WHA 50.29, que definiu como meta a eliminação mundial da transmissão da filariose bancroftiana até o ano de 2020. Diversos países endêmicos aderiram à proposta e criaram seus programas para atingir o objetivo conforme suas singularidades. No Brasil, no mesmo ano, o Ministério da Saúde criou o Plano Nacional de Eliminação da Filariose Linfática, priorizando impedir a transmissão e aliviar o sofrimento da população infectada [3]. Dentre os integrantes deste plano estavam dois professores da Universidade Federal de São João del-Rei, a Drª. Eliana Maria Maurício da Rocha e o Dr. Gilberto Fontes.
Esses dois pesquisadores, brasileiros, realizaram um trabalho muito importante em prol do controle dessa doença no Brasil. As bases do plano de eliminação dessa doença envolveu diversas etapas, sendo elas: 1) estudo epidemiológico detalhado e criterioso para determinar o cenário nacional com o qual se deveria lidar (pois muitos estudos são feitos de forma equivocada e levam a resultados inadequados e imprecisos); 2) mobilização para trabalhos nas áreas com maiores índices de prevalência; 3) tratamento dos casos detectados pelo estudo inicial. Além disso, os pesquisadores elaboraram proposta adequada à realidade, para o controle de vetores e também realizaram articulações com as instituições locais visando otimizar os resultados [2].
Em 2012, conforme revelam estudos epidemiológicos sobre Filariose Linfática no país, essa doença era um problema de saúde pública apenas no litoral Nordeste, exclusivamente em quatro cidades da região metropolitana de Recife [3]. Logo, a resolução em prol da eliminação deu-se com a busca ativa na população local e realização do tratamento em massa. Por se tratar de uma doença não fatal, com um tratamento adequado é possível melhorar a qualidade de vida do paciente. Entretanto, como os vermes adultos vivem nos vasos e gânglios linfáticos por volta de 8 a 10 anos, se não tratados, os infectados se tornam fonte de infecção gerando continuidade na transmissão [1].
Em setembro de 2023, 10 anos após o último caso notificado desta doença no Brasil, a Drª. Eliana e o Dr. Gilberto elaboraram um dossiê, a convite do Ministério da Saúde, relatando uma importante vitória contra essa enfermidade, conquistada após 33 anos dedicados à pesquisa: a eliminação da transmissão da filariose linfática. O dossiê foi encaminhado pelo Ministério da Saúde para a Organização Mundial da Saúde (OMS) para análise. Toda esta dedicação fará com que o Brasil receba o certificado nacional de eliminação da transmissão da filariose, o que representa a primeira eliminação da transmissão de uma doença parasitária no país. Esta conquista encaminha o país para uma nova fase da batalha: a manutenção da vigilância da doença em território nacional, a fim de impedir sua reintrodução no país.
Referências Bibliográficas
[1] Fontes G, Rocha EMM. Wuchereria bancrofti-Filariose linfática. Parasitologia Humana. 12ª ed. São Paulo: Atheneu, p. 323-333, 2011.
[2] Rocha EMM;, Fontes G. Filariose bancroftiana no Brasil. Disponível através do link: https://www.scielo.br/j/rsp/a/stMFGDCWVBzhQdfvv3zyVdj/. Acesso em: 03 nov. 2023.
[3] Fontes G, et al. Lymphatic filariasis in Brazil: epidemiological situation and outlook for elimination. Disponível através do link: https://parasitesandvectors.biomedcentral.com/articles/10.1186/1756-3305-5-272 . Acesso em: 03 nov. 2023.