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Entrevista:
Raquel Farias

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RAQUEL GOMES GONÇALVES FARIAS

Doutoranda em Biotecnologia pela Universidade de São Paulo (USP) com Doutorado Sanduíche realizado no NASA Ames Research Center. Bacharel em Ciências Biológicas: Biotecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui conhecimento multidisciplinar nas áreas de programação, empreendedorismo, biotecnologia e astrobiologia. Co-fundou a equipe de biologia sintética Osiris Rio UFRJ, e dedica-se ainda a realizar divulgação científica nas redes sociais. 

Vinicius Marx Silva Delgado

Graduando do curso de Bioquímica (UFSJ-CCO)

v.2, n.7, 2024
Julho de 2024

Graduada em Biotecnologia pela UFRJ e com apenas 26 anos de idade, a jovem cientista Raquel Farias já realizou doutorado sanduíche no exterior. É doutoranda no Laboratório de Astrobiologia, em São Paulo, onde estuda algas extremamente resistentes a condições parecidas com as de Marte. Através de uma bolsa de doutorado sanduiche, foi possível que ela se deslocasse até a NASA para estudar a fundo os mecanismos moleculares da resistência destas algas.

 

A astrobiologia é uma área extremamente vasta que se ocupa em descobrir como a vida surgiu na Terra e se há ou como poderia surgir vida em outros planetas. No projeto desenvolvido no Astrolab, a doutoranda dedica sua atenção a estudar as mencionadas algas na temperatura baixa de Marte, e sob altíssimas doses de radiação (que incidem na superfície do Planeta Vermelho, recebidas devido à ausência de atmosfera capaz de detê-las).

 

Todo o trabalho tem como propósito o desenvolvimento de tecnologias de suporte à vida em Marte. Uma das maiores complicações da exploração espacial é o transporte de equipamentos para uma colônia em outro planeta. Cada quilo a mais num foguete para Marte aumenta e muito o custo da viagem. Logo, alternativas mais leves e eficientes, como biofábricas, são extremamente interessantes. No projeto desenvolvido no Astrolab, as algas funcionariam como fábricas de oxigênio, ao converter gás carbônico presente na atmosfera de Marte em oxigênio, através da fotossíntese.  

 

Desde pequena, Raquel sempre foi curiosa. Quando foi decidir sua graduação, suas escolhas eram entre Moda, Letras, Direito e Biotecnologia. Curiosamente, dentre todas as muitas áreas pelas quais ela se interessava, Astronomia sempre possuiu um lugar especial. “Eu ficava sentada na rede de casa olhando para o céu noturno todos os dias; ficava me perguntando se em algum outro planeta haveria outro ser olhando para o céu e pensando a mesma coisa”.

 

Biologia também sempre esteve presente em sua vida cotidiana. “Meus pais me deram um microscópio simples de presente, e eu colocava tudo lá: pelo de cachorro, cabelo, formiga, tudo.” Raquel estava incerta quanto ao ramo científico por causa do estereotipo que a cultura pop criou do cientista: de alguém muito focado, estudioso, dedicado e um prodígio nato. Além disso, a falta de perspectiva para o ramo científico também a fez duvidar quanto a cursar graduação em Biotecnologia. O que a convenceu de seguir o caminho foi uma palestra sobre o curso durante uma visita à UFRJ: “Meu coração bateu mais rápido”.

  

Há uma diferença enorme entre a estrutura nos laboratórios da NASA, e do exterior no geral, comparado com os do Brasil. No exterior, os laboratórios tem muito mais infraestrutura e verba comparado com os laboratórios nacionais. Há dinheiro para comprar reagentes que chegam em dois, três dias. Há equipamentos com tecnologia de ponta para diversos protocolos, e não faltam recursos para mantê-los, permitindo que a ciência progrida em ritmo mais rápido. A principal desvantagem de se fazer pesquisa no Brasil, explica Raquel, é a ausência de estrutura, suporte e verba que atrasam o progresso da ciência brasileira. Os pesquisadores nacionais têm que gastar muito do seu tempo para compensar adaptando seu projeto à realidade brasileira.

 

Na visão da pesquisadora, no entanto, este problema também é a maior vantagem do cientista brasileiro. Por carecerem dessa estrutura, aprendem a “se virar”, compensando o déficit com improvisos e gambiarras. O ambiente da pesquisa brasileira exige que o cientista entenda o fundamento da ciência para que ele possa adaptar seus protocolos à ausência de recursos. 

Um ponto importante a se destacar é que Raquel está desenvolvendo pesquisa esta pesquisa tão relevante e com alta tecnologia mesmo sendo diagnosticada com autismo e TDAH. Essas condições apresentam complicações delicadas como disfunção cognitiva e dissociações. Um exemplo clássico é a facilidade para se distrair mesmo estando realizando tarefas extremamente importantes. Outro exemplo é a dificuldade de realizar uma tarefa que exige esforço mental, mesmo que o indivíduo queira muito, culminando em horas com o pensamento em círculos e com a culpa de não ter conseguido avançar, mesmo dispondo de tempo para tal.  

A solução, e ela deixa claro que o que funcionou para ela talvez não funcione para outras pessoas, é ter uma rotina com pontos fixos, mas com flexibilidade. Por exemplo, acordar e faxinar a casa ou arrumar o quarto antes de estudar, já que é quase impossível se concentrar tendo algo fora do lugar no seu quarto. E o espaço de tempo entre esses pontos ser totalmente livre, visto a dificuldade de manter uma rotina muito elaborada. Como conselho para outros neurodivergentes no geral, Raquel recomenda que cada um teste e veja o que funciona melhor para si, respeitando seus limites e não se comparando com outras pessoas ou achando que há algo de errado ou se sentindo inferior.

 

Para finalizar, Raquel deixa um conselho para os futuros cientistas: “Boa sorte!”. Ela explica que os cientistas vão sofrer muito na ciência brasileira. “Vai ter que aprender a lidar com muita frustração e entender que muito do que o cientista vai fazer é por amor; 90% por amor, porque não vai ser fácil. No nosso caso, os humilhados serão humilhados por muito tempo antes de serem exaltados”.

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