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Os riscos de automedicação para a saúde humana

Iasmin Fernandes Emediato, Luiz Felipe Elver Santana Soares, Giovana Menezes Fabricio

Pós-graduandos do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia (UFSJ-CCO)

v.3, n.2, 2025

Fevereiro de 2025

É muito comum para os brasileiros possuir uma pequena farmácia em suas casas (Figura 1). Nela se encontram medicamentos para febre, enjoo, dor de cabeça e até mesmo antibióticos e antiinflamatórios. Uma pesquisa do Conselho Federal de Farmácia (CFF), realizada pelo Instituto Datafolha em 2019, revelou que a automedicação (ação de tomar medicamentos por conta própria, sem orientação médica) é um hábito para 77% dos brasileiros. Dentre estes, 47% admitiram se automedicar ao menos uma vez por mês, enquanto 25% fazem isso diariamente ou semanalmente [1]. 

Automedicar-se é uma prática que pode trazer sérios riscos à saúde humana. Tais riscos podem incluir o agravamento de doenças, reações adversas inesperadas e interações perigosas entre medicamentos [2]. O uso indiscriminado destes sem orientação médica pode levar a complicações importantes, incluindo a resistência a antibióticos e o mascaramento de sintomas de condições  mais  graves [2]. Além disso,  a falta de conhecimento sobre dosagens e contraindicações pode resultar em overdoses ou em efeitos colaterais severos com risco de morte [3].

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Figura 1: Cartelas de medicamentos.

Fonte: https://testbook.com/chemistry/omega-3-fatty-acids

Para compreender-se melhor os riscos da automedicação, é essencial que se entenda a lógica de processamento dos medicamentos pelo nosso organismo após a ingestão. Este processamento inclui etapas como: absorção, distribuição, metabolização e excreção [4].

 

A absorção é o processo que permite que eles entrem no organismo passando a circular pela corrente sanguínea [4]. Durante a etapa de distribuição, por sua vez, os medicamentos são transportados pelo sangue para diferentes tecidos e órgãos [4]. Os que se dissolvem melhor em gordura, por exemplo, tendem a se acumular em tecidos adiposos (composto por células que armazenam gordura), enquanto outros, mais solúveis em água, podem se concentrar em fluidos corporais, como o sangue [4]. A distribuição adequada é fundamental para garantir que o medicamento alcance o local de ação desejado, onde poderá exercer seu efeito terapêutico de forma eficaz [4]. A metabolização de medicamentos é um processo através do qual o organismo transforma substâncias ativas (que, por exemplo, já fizeram seu efeito) em compostos mais simples e menos ativos, facilitando sua eliminação. Este processo é realizado principalmente no fígado por enzimas (moléculas, em sua maior parte proteínas, que aceleram a velocidade de reações) como as do citocromo P450; é uma etapa importante no que se refere a afetar a eficácia e os efeitos colaterais provocados pelos medicamentos. A fase de excreção consiste na eliminação de substâncias (como os medicamentos) e metabólitos do organismo, principalmente pelos rins na urina, mas também através de fezes, bile e suor [4]. 

Ao tomar um remédio sem orientação médica, pode-se fazê-lo no momento ou de maneira inadequada comprometendo a absorção, por exemplo, o que pode fazer com que o medicamento não funcione corretamente. Além disso, diferentes medicamentos podem interagir entre si, resultando em uma distribuição inadequada no corpo e causando acúmulo em locais indesejados. Sem o conhecimento sobre como o corpo metaboliza, processa, essas substâncias, o indivíduo pode acabar ingerindo doses excessivas, aumentando o risco de efeitos colaterais. Caso haja problemas nos rins ou no fígado, a excreção do medicamento pode ser prejudicada, levando a um acúmulo perigoso no organismo. Portanto, é essencial que sempre se consulte um médico antes de se iniciar qualquer tratamento [4].

Historicamente, a tragédia da talidomida (Figura 1), um acontecimento que marcou as décadas de 1950 e 1960, foi um dos maiores desastres da história da farmacologia (estudo de como os medicamentos agem no corpo e como o corpo reage a eles) [5]. O medicamento em questão pode ser utilizado para tratar doenças como: eritema nodoso hansênico, lúpus eritematoso, úlceras aftoides em pacientes portadores do vírus HIV, doença do enxerto contra hospedeiro, mieloma múltiplo e síndrome mielodisplásica [6].

Inicialmente promovida como um sedativo e medicamento para tratar náuseas em grávidas, a talidomida resultou em malformações congênitas graves em milhares de bebês, incluindo membros ausentes ou deformados, surdez e problemas cardíacos [7]. A falta de testes adequados sobre a segurança do medicamento durante a gravidez, combinada com uma regulamentação frouxa em que as pessoas podiam livremente adquirir este medicamento sem uma fiscalização adequada, levou à sua utilização generalizada antes que os efeitos  adversos  fossem  amplamente  reconhecidos  [7].  Essa  tragédia  levou  à criação de leis mais rigorosas para testes de medicamentos, aumentou a conscientização sobre a segurança em ensaios clínicos e ressaltou os riscos da automedicação sem orientação médica [7-8]. 

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Figura 2: Talidomida.

Fonte: Acervo dos autores, 2025.

Durante a época da pandemia da COVID-19, tivemos um outro exemplo claro sobre os riscos de automedicação. Influenciadas principalmente pelo medo de contágio e a dificuldade de acessar serviços de saúde, as pessoas optaram pelo uso desenfreado de medicamentos e suplementos. Muitas pessoas recorreram a antibióticos, antivirais, vitaminas e analgésicos, acreditando que poderiam prevenir ou tratar a doença, o que levou ao aumento de reações adversas e riscos de interações medicamentosas. Isso resultou em quadros de resistência antimicrobiana, uma ameaça crescente para a saúde pública, agravada pelo uso inadequado desses fármacos. É necessário que os farmacêuticos adotem um papel ativo na educação sobre o uso seguro de medicamentos, alertando para os riscos da automedicação e ajudando a identificar casos que necessitam de atendimento médico. Essa orientação é essencial para apoiar a promoção de saúde pública, visto que a automedicação desenfreada durante a pandemia teve consequências graves a longo prazo [9]. 

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Figura 2: Ivermectina.

Fonte: Acervo dos autores, 2025.

Um dos maiores exemplos de medicamento utilizado na automedicação durante a pandemia foi a ivermectina (Figura 2), que ganhou destaque em campanhas de desinformação como um suposto tratamento eficaz contra o vírus. Muitas pessoas acreditaram nessa informação e usaram este medicamento, comumente utilizados para o tratamento de parasitos (os famosos vermes), para tentar tratar a doença provocada por vírus [6,10]. No entanto, estudos revelaram que não há evidência científica que comprove sua eficácia contra a COVID-19, e que seu uso descontrolado acarreta sérios riscos à saúde, como hepatite medicamentosa e reações adversas que ameaçam a saúde do indivíduo [10,11].


Especialistas e autoridades de saúde alertaram que a falsa sensação de segurança proporcionada pela ivermectina desviou a atenção de métodos comprovados,  como  o  uso de  vacinas e  medidas de proteção,  o que contribuiu para o avançar da doença [11].

Logo, a automedicação é um tema preocupante na sociedade brasileira, revelando-se um hábito arriscado que pode levar a complicações de saúde graves. A história  nos  ensina,  desde o trágico  caso  da  talidomida  até a pandemia de COVID-19, que a falta de orientação médica pode resultar em consequências severas e irreversíveis. A crença em medicamentos com indicações não comprovadas cientificamente para determinados casos, como ocorreu com a ivermectina, não apenas coloca em risco a saúde individual, mas também ameaça a saúde pública. É fundamental que todos reconheçam a importância de se buscar orientação profissional especializada, promovendo uma prática de cuidados mais segura e responsável.

Referências Bibliográficas

[1] Noronha T. Pesquisa aponta que 77% dos brasileiros têm o hábito de se automedicar. Disponível através do link: http://www.crfsp.org.br/noticias/10535-pesquisa-aponta-que-77-dos-brasileiros-t%C3%AAm-o-h%C3%A1bito-de-se-automedicar.html. Aces-so em: 05 fev. 2025.

[2] Ruiz M. Risks of self-medication practices. Current Drug Safety v. 5, n. 4, p. 315–323, 2010. DIsponível através do link: https://doi.org/10.2174/157488610792245966. Acesso em: 05 fev. 2025.

[3] Pfizer Brasil. Os riscos da automedicação. Disponível através do link: https://www.pfizer.com.br/noticias/ultimas-noticias/os-riscos-da-automedicacao. Acesso em: 05 fev. 2025.

[4] Oga S. (Ed.). Fundamentos de toxicologia. 4. ed. São Paulo: Atheneu, 2014. 704p. 

[5] Pílula Farmacêutica #55. Tragédia da talidomida. Disponível através do link: https://jornal.usp.br/podcast/pilula-farmaceutica-55-tragedia-da-talidomida-marcou-historia-farmaceutica/. Acesso em: 05 fev. 2025.

[6] Brasil - Ministério da Saúde. Talidomida. Disponível através do link: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/h/hanseniase/talidomida. Acesso em: 05 fev. 2025.

[7] Mora A, Invernizzi N. A tragédia da talidomida: a luta pelos direitos das vítimas e por melhor regulação de medicamentos. História, Ciências, Saúde-Manguinhos v. 24, n. 3, p. 603–622, 2017. Disponível através do link: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/d3GWCXL8dxLYMpQyRyKJfPd/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 05 fev. 2025.

[8] Oliveira MA, et al. Talidomida no Brasil: vigilância com responsabilidade compartilhada? Cadernos de Saúde Pública v. 15, p. 99–112, 1999. Disponível através do link: https://www.scielo.br/j/csp/a/bwPC4DV8v5D6bcrn3SwhTTD/?format=pdf. Acesso em: 05 fev. 2025.

[9] ZHENG, Y.-P. et al. A systematic review of self-medication practice during the COVID-19 pandemic: implications for pharmacy practice in supporting public health measures. Frontiers in Public Health v. 11, p. 1184882, 2023. Disponível através do link: https://doi.org/10.3389/fpubh.2023.1184882. Acesso em: 05 fev. 2025. 

[10] Drogasil. Bula Ivermectina. Disponível através do link: https://www.drogasil.com.br/bulas/ivermectina. Acesso em: 05 fev. 2025.

[11] UFSM. Além de ineficaz, o uso da Ivermectina para o tratamento da Covid-19 pode causar complicações para a saúde. Disponível através do link: https://www.ufsm.br/midias/arco/ineficaz-uso-ivermectina-tratamento-covid-19-complicacoes. Acesso em: 05 fev. 2025.

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