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Fitoterapia e Farmácias Vivas no Brasil

André Vitor Caetano, Daniella Georgopoulos Calló, Neide Aparecida da Silva

Pós-graduandos do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia (UFSJ-CCO)

v.3, n.2, 2025

Fevereiro de 2025

O bem-estar das pessoas sempre esteve ligado à natureza, seja de forma direta ou indireta. Desde os tempos mais antigos, as civilizações que já viviam no Brasil, especialmente os povos indígenas, já reconheciam essa conexão. Eles dependiam da terra, dos rios e das florestas para se alimentar, construir suas moradias e manter suas tradições vivas [1]. O país possui aproximadamente 20% da biodiversidade  mundial, com mais de 46.000 espécies vegetais conhecidas, o que destaca seu potencial na promoção da saúde por meio de plantas medicinais [2]. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a relevância do uso e do controle  das plantas medicinais em 1978, principalmente em países nos quais o acesso a medicamentos  industrializados (comercializados em farmácias) é limitado. Esse reconhecimento levou à criação de políticas nacionais para o uso de plantas medicinais, garantindo que seu uso na saúde pública seja seguro e eficaz. Em 2006, foi instituída, no Brasil, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), ampliando o  acesso da população a tratamentos fitoterápicos (à base de plantas medicinais e seus compostos ativos) e promovendo o uso seguro das plantas medicinais [3]. 

O avanço da fitoterapia no Brasil tem como base as regulamentações e políticas públicas, como a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), instituída pelo Decreto nº 5.813 de 2006. As diretrizes para o cultivo, manipulação e dispensação de plantas medicinais no Sistema Único de Saúde (SUS) estão previstas na Resolução RDC nº 18, de 3 de abril de 2013. Esta resolução dispõe sobre as boas práticas de processamento e armazenamento de plantas medicinais, bem como a preparação e dispensação de produtos associados a "Farmácias Vivas" no âmbito do SUS [4].

Neste contexto merece destaque a Portaria GM/MS nº 886, de 20 de abril de  2010: uma norma do Ministério da Saúde que institui a “Farmácia Viva” no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A "Farmácia Viva" é um programa que, sob a gestão estadual, municipal ou do Distrito Federal, abrange todas as etapas relacionadas ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos (medicamentos derivados destas plantas), incluindo cultivo, coleta, processamento, armazenamento, manipulação e dispensação (fazendo-os chegar aos pacientes). É importante notar que a comercialização de produtos elaborados por essas farmácias é proibida. Além disso, as “Farmácias Vivas” devem cumprir as regulamentações sanitárias e ambientais específicas dos órgãos competentes [1,5]. 

A "Farmácia Viva" é um conceito pioneiro na promoção da saúde com o uso de plantas medicinais, e foi criado em 1983 pelo Professor Dr. Francisco José de Abreu Matos, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Química e Farmácia, Matos dedicou-se ao estudo das plantas medicinais brasileiras e idealizou um modelo de farmácia social que combina a sabedoria popular com o conhecimento científico [6,7].

Observando a rica biodiversidade brasileira e a dificuldade de acesso a medicamentos em comunidades carentes, o professor Matos idealizou o programa "Farmácia Viva" como uma alternativa acessível e sustentável. O projeto promove o cultivo de plantas medicinais e a produção de fitoterápicos seguros e eficazes, com apoio de universidades e comunidades locais. Assim, Matos estabeleceu uma metodologia que uniu tradição popular e ciência, tornando a fitoterapia uma prática baseada em evidências [1,8]. 

No contexto do SUS, a "Farmácia Viva" contribui para a autonomia  terapêutica das comunidades, promovendo o acesso a medicamentos fitoterápicos em  áreas de difícil acesso a produtos farmacêuticos convencionais [1]. Na Figura 1 pode-se  observar a distribuição destas Farmácias pelo Brasil.

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A estrutura de uma "Farmácia Viva" geralmente conta com: um horto de plantas medicinais (onde  diversas espécies são cultivadas), uma unidade de produção de matéria-prima vegetal, e um espaço dedicado ao processamento e armazenamento dos fitoterápicos. No horto, plantas  são cultivadas de acordo com boas práticas agrícolas, respeitando aspectos como a  escolha de espécies adaptadas ao ambiente local, o uso de técnicas de propagação e a conservação da biodiversidade. A unidade de produção de droga vegetal realiza processos como secagem, moagem e controle de qualidade, assegurando que as plantas sejam  processadas de forma a preservar suas propriedades medicinais [9].  ​

Para que uma "Farmácia Viva" funcione de acordo com os padrões estabelecidos, é  necessário seguir rigorosas diretrizes de boas práticas, que garantam tanto a qualidade  quanto a segurança dos fitoterápicos [4]. No horto, por exemplo, são realizadas atividades de  produção de mudas, propagação por sementes, estacas e raízes, bem  como o  cuidado  com  o solo e  com o sistema  de  irrigação. A área de produção de mudas, em particular, é projetada para otimizar o cultivo e a reprodução de plantas, mantendo um controle  rigoroso sobre cada etapa do processo [9,10].

Além disso, a infraestrutura de uma "Farmácia Viva" deve incluir viveiros e casas de vegetação adequados para a multiplicação das espécies. A construção do viveiro deve observar normas de ventilação, iluminação e drenagem para evitar o acúmulo de umidade, o que poderia comprometer a qualidade das plantas [11]. Já as casas de vegetação, que são estruturas fechadas, são essenciais para o cultivo de espécies que demandam condições  específicas de temperatura e umidade. Todo o processo é monitorado para garantir a rastreabilidade das plantas, desde o cultivo até a utilização final como medicamento [11].

A inclusão de fitoterápicos no SUS representa um avanço na promoção da saúde e na  acessibilidade a tratamentos naturais. A PNPMF recomenda o uso seguro e eficaz dessas  substâncias na atenção básica (serviços de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação, de forma acessível e próxima à comunidade) à saúde. Atualmente, os  medicamentos fitoterápicos disponíveis no SUS são selecionados de acordo com critérios  de segurança, eficácia e relevância para a saúde pública [8]. 


A lista de medicamentos fitoterápicos do SUS, incluída na Relação Nacional de  Medicamentos Essenciais (RENAME), abrange plantas com diversas propriedades  terapêuticas, como a alcachofra, aroeira, babosa, cáscara-sagrada, espinheira-santa,  guaco, garra-do-diabo, hortelã (Figura 2), plantago, salgueiro e unha-de-gato [12]. Essas  plantas medicinais são indicadas para tratar condições de saúde como distúrbios  digestivos, inflamações e sintomas da menopausa. Por exemplo, o guaco (Mikania  glomerata) é conhecido por suas propriedades expectorantes, sendo amplamente utilizado  para aliviar sintomas respiratórios, enquanto a espinheira-santa (Maytenus ilicifolia) é  recomendada para úlceras e gastrites devido às suas propriedades antiulcerogênica [12]. 

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A   experiência  brasileira  na  implementação  das  "Farmácias Vivas" mostra que é possível  integrar ciência, tecnologia e saberes populares em prol de um sistema de saúde mais inclusivo e sustentável. Nesse sentido, o SUS desempenha um papel essencial na ampliação do acesso a essas terapias, aumentando a conscientização da população sobre o uso seguro dos recursos naturais.

Referências Bibliográficas

[1] Brasil - Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 886, de 20 de abril de 2010.  Institui a Farmácia Viva no Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível através do link:  https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sectics/plantas-medicinais-e-fitoterapicos/plantas-medicinais-e-fitoterapicos-no-sus. Acesso em: 05 fev. 2025. 

[2] Brasil - Ministério da Saúde. Política Nacional de Plantas Medicinais e  Fitoterápicos (PNPMF). Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006. Disponível através do link: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5813.htm. Acesso em: 05 fev. 2025.

[3] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Boas práticas para o cultivo e  processamento de plantas medicinais. Genebra: OMS, 2003. 

[4]ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução - RDC Nº 18, de 03 de Abril de 2013 Disponível através do link: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2013/rdc0018_03_04_2013.html. Acesso em: 05 fev. 2025.

[5] Brasil - Ministério da Saúde. Portaria nº 886/GM/MS, de 20 de abril de 2010. Disponível através do link: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/MatrizesConsolidacao/comum/13138.html?utm_source. Acesso em: 05 fev. 2025.

[6] Melo J. Alece celebra centenário de Abreu Matos, idealizador do projeto Farmácia Viva. Disponível através do link: https://www.al.ce.gov.br/noticias/46499-alece-celebra-centenario-de-abreu-matos-idealizador-do-projeto-farmacia-viva. Acesso em: 05 fev. 2025.

[7]UFC - Universidade Federal do Ceará. Professor Dr. Francisco José de Abreu Matos. Disponível através do link:  https://hortodeplantasmedicinais.ufc.br/pt/professor-francisco-jose-de-abreu-matos/. Acesso em: 05 fev. 2025.

[8] Brasil - Ministério da Saúde. Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse  ao SUS (RENISUS). Disponível através do link: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sectics/plantas-medicinais-e-fitoterapicos/ppnpmf/arquivos/2014/renisus.pdf/view. Acesso em: 05 fev. 2025. 

[9] Corrêa JC, Scheffer MC. Boas práticas agrícolas na produção de plantas  medicinais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013. 

[10] Brasil - Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Básica. Práticas Integrativa e  Integrativas e Complementares Plantas Medicinais e Fitoterapia na Atenção Básica.  Disponível através do link:  https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/praticas_integrativas_complementares_plan tas_medicinais_cab31.pdf. Acesso em: 05 fev. 2025.

[11] Pereira AMS, et al. Farmácia Viva Tradicionalidade, Ética, Ciência, Tecnologia e  Inovação em Saúde. Disponível através do link: https://www.cosemssp.org.br/wp-content/uploads/2023/04/LIVRO-FARMACIA-VIVA-1-EDICAO.pdf. Acesso em: 05 fev. 2025.

[12] Brasil - Ministério da Saúde. Fitoterápicos disponíveis no SUS. Disponível através do link:  https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sectics/plantas-medicinais-e-fitoterapicos/plantas-medicinais-e-fitoterapicos-no-sus Acesso em: 05 fev. 2025.

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