Pílulas anticoncepcionais e trombose venosa
Kézia Cristina Alves Pereira, Letícia Silva Souza, Luiz Felipe de Cássio Faustino, Victória Silva Júdice
Graduandos do curso de Bioquímica (UFSJ-CCO)
v.2, n.12, 2024
Dezembro de 2024
As pílulas anticoncepcionais (PAs) tiveram origem nos Estados Unidos por volta de 1960 e rapidamente se espalharam pelo mundo [1]. Inicialmente comercializadas como um método seguro, discreto e eficaz, estas pílulas possuíam um objetivo ligado ao controle da fertilidade (capacidade de gerar descendentes - filhos) e para o tratamento de diversas condições ginecológicas [2,3], especialmente em países em desenvolvimento. Ao longo dos anos, surgiram discussões sobre as PAs, abordando aspectos sociais e de saúde, incluindo o uso inadequado da pílula e seus potenciais efeitos adversos (efeitos colaterais indesejáveis) [4].
Em 2023, Bruna Gomes da Luz e colaboradores publicaram na Revista Brasileira de Revisão de Saúde um artigo intitulado "Avaliação do perfil de usuários de anticoncepcionais e seus efeitos em uma comunidade universitária de Foz do Iguaçu – PR", que contribuiu para o entendimento dos padrões de uso e os impactos dos anticoncepcionais hormonais orais (ACO's) em uma população universitária. O estudo destaca os benefícios e as potenciais reações adversas associadas ao uso dessas pílulas. Entre os dados apresentados pelos autores, destaca-se a importância da atualização constante dos profissionais de saúde sobre os riscos e benefícios dos ACOs, bem como a necessidade de uma abordagem individual na escolha dos métodos anticoncepcionais na forma de pílulas para cada mulher.
Figura 1: Pílulas anticoncepcionais.
A relação, no entanto, entre o uso de anticoncepcionais hormonais e o aumento do risco de trombose venosa, que é caracterizada pela formação de coágulos sanguíneos nas veias prejudicando a circulação de sangue , representa uma questão interessante para a clínica e para pesquisa científica. Esta condição é séria, podendo resultar em graves complicações, como embolia pulmonar (envolvendo o bloqueio de vasos do pulmão) e até mesmo a morte [5,6]. Devido a utilização difundida dessas pílulas em todo o mundo, é, portanto, importante entender as conexões entre o uso das pílulas e as complicações manifestadas como doenças em quem as ingere, para assim orientar e fazer o aconselhamento eficiente das pacientes.
Tanto os anticoncepcionais orais combinados, (contendo as substâncias estrogênio e progestágeno) quanto os progestágenos isolados, tem sido associados a um risco aumentado de trombose [7]. Estudos de casos têm consistentemente demonstrado uma associação entre o uso dessas pílulas e um maior risco de eventos tromboembólicos (formação de um coágulo, que é o sangue em forma sólida, dentro do vaso sanguíneo) [8]. Por exemplo, uma revisão sistemática relatou um aumento significativo no risco de trombose em mulheres que utilizam anticoncepcionais orais combinados em comparação com não usuárias [7]. A incidência desse tipo de complicação varia principalmente em mulheres que apresentam fatores de risco adicionais, como o uso de cigarros e seus variados tipos (tabagismo), obesidade, histórico familiar de trombose ou imobilização prolongada (é um conjunto de alterações que ocorrem no indivíduo acamado por um período prolongado) [9]. Além disso, a idade da paciente e a dose de estrogênio (hormônio fundamental para o desenvolvimento sexual feminino, regulação do ciclo menstrual e manutenção da saúde óssea e cerebral) também parecem influenciar o risco de trombose associado ao uso das pílulas [7,10].
Embora todos os processos envolvidos na relação do uso da pílula com a ocorrência de trombose não estejam completamente esclarecidos, várias teorias foram propostas com o intuito de esclarecer os aspectos ainda não claros. Sabe-se que os estrogênios presentes em muitas pílulas hormonais podem aumentar a produção de proteínas de coagulação pelo fígado, alterando assim a resposta do corpo frente a prevenção e interrupção de sangramento e hemorragias; favorecem a coagulação através do aumento da produção destes fatores envolvidos no processo e diminuição de produção de inibidores da coagulação, como a antitrombina III (que é um tipo de anticoagulante) [11]. Os progestágenos, por sua vez, podem influenciar a função de células que revestem a superfície interna dos vasos sanguíneos e linfáticos (que transportam linfa), e favorecerem processos inflamatórios, favorecendo assim condições propícias para a trombose. Além disso, características associadas ao DNA do paciente (variantes específicas neste DNA herdada de ancestrais) influenciam na modulação do risco, destacando a importância da interação entre estes fatores genéticos (do DNA) e fatores ambientais (como o hábito de fumar) na predisposição à trombose em usuárias das pílulas anticoncepcionais [4,11].
Portanto, é necessário um entendimento aprofundado dessas questões para aconselhar de forma adequada as mulheres sobre os riscos e benefícios das pílulas hormonais visando à diminuição do risco de trombose associado ao seu uso. Neste sentido, pesquisa, artigos científicos com os resultados destas, textos de divulgação científica como este, e a capacitação de profissionais da saúde podem contribuir para uma melhor compreensão do tema e para uma melhor orientação na seleção e monitoramento do uso de pílulas anticoncepcionais, visando minimizar os riscos de trombose nas mulheres.
Referências Bibliográficas
[1] Da Silva CV. Histórias de utilização de pílulas anticoncepcionais no Brasil, na década de 1960. 2017. Disponível através do link: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/25248. Acesso em: 05 dez. 2024.
[2] Pimentel ACdeL, et al. Uma via periférica para os hormônios sexuais: empresariamento, biologias, classe e corpos femininos. 2018. Disponível através do link: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/34716. Acesso em: 05 dez. 2024.
[3] Dias TM, et al. “Estará nas pílulas anticoncepcionais a solução?” Debate na mídia entre 1960-1970. Estudos Feministas. 2018; 26(3): 1-19, Disponível através do link: https://www.scielo.br/j/ref/a/p9jw59ttVHRpftF6rxvzHyv/. Acesso em: 05 dez. 2024.
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[4] Ferreira BBR, Da Paixão JA. A relação entre o uso da pílula anticoncepcional e o desenvolvimento da trombose venosa profunda no Brasil. Revista Artigos. Com. 2021; 29: e7766-e7766. Disponível através do link: https://acervomais.com.br/index.php/artigos/article/view/7766/4829. Acesso em: 05 dez. 2024.
[5] Heikinheimo O, et al. Systemic hormonal contraception and risk of venous thromboembolism. Acta obstetricia et gynecologica Scandinavica. 2022; 8: 846-855. Disponível através do link: https://doi.org/10.1111/aogs.14384. Acesso em: 05 dez. 2024.
[6] Abdulrehman J, et al. Recurrence after stopping anticoagulants in women with combined oral contraceptive‐associated venous thromboembolism: A systematic review and meta‐analysis. British journal of haematology. 2022; 199(1): 130-142. Disponível através do link: https://doi.org/10.1111/bjh.18331. Acesso em: 05 dez. 2024.
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[8] Teng Y, et al. Hormonal contraceptives and risk of venous thromboembolism: A systematic review and meta-analysis. Thrombosis Research. 2021; 197: 157-166. Disponível através do link: https://doi.org/10.3389/fneur.2015.00007. Acesso em: 05 dez. 2024.
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[10] Siqueira TC, et al. Reações adversas em usuárias de anticoncepcionais orais. Revista Eletrônica de Farmácia. 2017; 14(4): 1-13. Disponível através do link: https://revistas.ufg.br/REF/article/view/45511/pdf. Acesso em: 05 dez. 2024.
[11] Scarabin PY, et al. Differential association of oral and transdermal oestrogen-replacement therapy with venous thromboembolism risk. The Lancet. 2020; 394(10209): 1159-1168. Disponível através do link: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(03)14066-4. Acesso em: 05 dez. 2024.