Taxonomia das plantas: panorama e importância para o contexto brasileiro
Giovanna Caixeta de Lima, Júlia Maffra Neder
Graduandas do curso de Medicina (UFSJ-CCO)
v.2, n.8, 2024
Agosto de 2024
Figura 1: Graziela Maciel Barroso, doutora em botânica pela Universidade de Campinas (Unicamp-SP), considerada a maior catalogadora de plantas do país.
Fonte: https://unifei.edu.br/personalidades-do-muro/extensao/graziela-barroso/
A botânica é o campo da biologia que se dedica ao estudo das plantas; a taxonomia das plantas, por sua vez, é o ramo da botânica cuja finalidade envolve classificar, identificar e nomear as diferentes espécies de plantas, organizando-as de forma sistemática e hierarquizada. Nesse sentido, diversos cientistas contribuíram para a criação e o aprimoramento desse sistema de classificação, com destaque para Carl von Linné (Lineu), botânico e médico sueco do século XVIII, considerado o pai da taxonomia. Dentre outras contribuições, ele estabeleceu a classificação hierárquica e elaborou o sistema de nomenclatura binomial (nomeação das espécies conhecidas utilizando dois nomes), responsável por padronizar universalmente a denominação das espécies até os dias atuais [1,2].
Já no contexto brasileiro, Graziela Maciel Barroso (Figura 1), também botânica e importante pesquisadora e professora universitária, destacou-se no ramo da taxonomia das plantas, participando ativamente de diversas obras sobre a flora brasileira e colaborando com o estudo e a classificação de diferentes famílias de plantas, como a Asteraceae, da qual fazem parte o girassol e a alface, e a Myrtaceae, família que inclui a goiaba e a jabuticaba, frutas nativas bastante conhecidas no país [3].
Um exemplo prático da aplicação dos princípios da taxonomia vegetal consiste na identificação correta de plantas visando o uso medicinal, que pode ser entendido como a prática de utilizar partes de plantas (como folhas, raízes, flores, cascas) para prevenir, tratar ou aliviar sintomas de diversas condições de saúde [4]. Geralmente, esse uso é baseado em conhecimentos atrelados à cultura local, sendo transmitidos oralmente ao longo das gerações. No entanto, por vezes o conhecimento popular é limitado, visto que nem sempre possui comprovação científica sobre o uso, ações maléficas e benéficas dos vegetais. Esse impasse enfatiza a importância de estabelecer os nomes científicos das plantas, visto que cada uma possui potencialidades e compostos químicos diferentes que devem ser estudados para garantir o correto uso pela medicina. Além disso, a variação dos nomes populares das plantas conforme a região geográfica destaca a necessidade de estabelecer uma nomenclatura científica única, sendo a identificação taxonômica fundamental nesse processo [5]. Como exemplo, podemos citar o Lippia origanoides Kunth, que pode ser chamado popularmente de alecrim-bravo, alecrim-do-nordeste, alecrim-pimenta, ou estrepa-cavalo [6].
Sob outra perspectiva, a prática milenar de utilizar plantas medicinais pode causar efeitos colaterais adversos, isto é, respostas prejudiciais e não intencionais a uma conduta terapêutica quando há identificação incorreta das espécies [6,7]. Exemplo disso é a confusão entre a Hippomane mancinella e a maçã-verde (Malus sylvestris). A primeira é conhecida como mancenilheira e é considerada uma das plantas mais perigosas e venenosas do mundo. O risco é que esta é bastante similar à maçã-verde tanto em relação à sua aparência quando ao gosto. Ainda nesse aspecto, além dos riscos à saúde, a falta de precisão na identificação pode comprometer pesquisas e estudos. Portanto, a identificação botânica possibilita uma revisão bibliográfica adequada, permitindo a correlação entre estudos e conhecimentos capazes de prevenir complicações decorrentes do uso inadequado [5].
Entretanto, ainda que o estudo da taxonomia das plantas seja essencial não só para o conhecimento das espécies vegetais, mas também das diferentes áreas relacionadas (como ecologia, medicina, agricultura e indústria), existe uma negligência em relação ao estudo da botânica no Brasil. Isso porque a forma descontextualizada e conteudista como essa área da ciência tem sido apresentada nas escolas tem gerado cada vez mais desinteresse dos alunos pelo assunto, sobretudo pela falta de pesquisas voltadas para o conhecimento das espécies de plantas no Brasil. Tendo isso em vista, um estudo realizado com alunos de uma escola pública do Pará, em 2023, buscou analisar as causas da “cegueira botânica”, marcada pela dificuldade de percepção e conhecimento dos estudantes em relação à riqueza ambiental no qual eles estão inseridos. Esse trabalho concluiu que esse fenômeno é fruto, dentre outros fatores, da falta de proximidade com a temática e da falha da educação básica em trabalhá-la de maneira eficiente [8].
Desse modo, a desvalorização da botânica nas escolas de ensino básico do país é uma questão preocupante que pode ser combatida com intervenções simples, porém eficazes, para gerar nos estudantes uma maior motivação para o estudo das plantas. Por exemplo, a realização de atividades práticas ao ar livre, como observação de espécies vegetais dentro do ambiente escolar, pode ser um meio eficaz para estimular a curiosidade e o envolvimento dos alunos. Portanto, é crucial que os educadores adotem esse e outros métodos e estratégias pedagógicas que otimizem o processo de aprendizagem [8]. Além disso, as abordagens de ensino voltadas para a compreensão da história da vida na Terra devem ser interdisciplinares, conectando o conhecimento filogenético (relacionado a evolução e relações de parentesco entre organismos e espécies) com a escala temporal geológica (relativos a estrutura, composição, história e processos da Terra). Isso permite destacar a importância das mudanças ambientais ao longo do tempo na origem e na evolução da vida no nosso planeta [9]. Um exemplo concreto de abordagem pedagógica é o uso de metodologias ativas, que capacitam os alunos a assumirem um papel de protagonista no seu próprio aprendizado. Essa estratégia visa dinamizar o ensino, despertando nos estudantes a relevância dos conhecimentos sobre taxonomia botânica [8].
Portanto, o reconhecimento da diversidade botânica em ambientes cotidianos contribui significativamente para superar a falta de percepção em relação às plantas, além de promover o aprendizado sobre a sistemática e taxonomia vegetal. O ensino interdisciplinar permite aos alunos compreender que a importância das plantas transcende as fronteiras da ciência, conectando-se a valores sociais, culturais, econômicos, históricos e artísticos [9]. Dessa forma, aumentam-se as perspectivas de uma maior valorização da diversidade botânica brasileira por parte dos alunos, professores e, consequentemente, da sociedade como um todo [8]. Essa transformação de mentalidades pode estimular uma apreciação mais ampla da riqueza botânica do Brasil e do estudo das plantas de modo geral, fortalecendo o reconhecimento e a valorização de pesquisadoras exemplares, como Graziela Maciel Barroso, em nosso país.
Referências Bibliográficas
[1] Prestes M, Oliveira P, Jensen G. As origens da classificação de plantas de Carl von Linné no ensino de Biologia. Filosofia e História da Biologia, v. 4, p. 101–37, 2009.
[2] Peixoto A, Luna, Morim M. Coleções botânicas: documentação da biodiversidade brasileira. Ciência e cultura, p. 21–24, 2003.
[3] ABC. Graziela Maciel Barroso. Disponível através do link : http://www.abc.org.br/membro/graziela-maciel-barroso/. Acesso em: 04 ago. 2024.
[4] Ekor M. The growing use of herbal medicines: issues relating to adverse reactions and challenges in monitoring safety. Frontiers in Pharmacology, v. 4, n. 177, 2014.
[5] Filho LFC de O, Souza LEV de, Silva MJ da, Batista EN da S, Souza EEM de, Silva TB da, et al. IMPORTÂNCIA DA IDENTIFICAÇÃO TAXONÔMICA DAS PLANTAS MEDICINAIS: REVISÃO NARRATIVA. Em: Plantas medicinais e suas potencialidades. Editora Científica Digital; 2023. p. 82–91.
[6] Gomes ER, Careli RT, Almeida K V., Guimarães ADB, Antunes ALM, Almeida AC, et al. Essential oil of rosemary pepper (Lippia origanoides Kunth) in the control of Pseudomonas spp. adhered in stainless steel surface. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v. 18, n. 4, p. 868–74, 2016.
[7] Bouvy JC, De Bruin ML, Koopmanschap MA. Epidemiology of Adverse Drug Reactions in Europe: A Review of Recent Observational Studies. Drug Safety, v. 38, n. 5, p. 437–453, 2015.
[8] Santos D, Igreja M, Junior, Da A, Martins S. A Botânica no ensino médio: análise da percepção ambiental e cegueira botânica em alunos de uma escola pública da Amazônia paraense. Scientia Plena. Disponível através do link: https://scientiaplena.emnuvens.com.br/sp/article/view/6803. Acesso em: 04 ago. 2024.
[9] Soares-Silva JP, Ponte ML, Silveira DS. Práticas de ensino de botânica com enfoque em taxonomia e sistemática filogenética. Terrae Didatica, v. 18, e022018, 2022.