Escravidão moderna no Brasil: o trabalho análogo ao de escravos
Kézia Cristina Alves Pereira, Letícia Silva Souza, Luiz Felipe de Cássio Faustino, Victória Silva Júdice
Graduandos do curso de Bioquímica (UFSJ-CCO)
v.2, n.7, 2024
Julho de 2024
O Brasil, um país com um passado de colonização marcado pela escravidão, continua a enfrentar repercussões desse legado nos dias atuais. Apesar da abolição formal da escravidão em 1888, práticas de exploração, racismo e preconceito ainda perduram, influenciando significativamente a sociedade contemporânea. Em 2023, um artigo importante intitulado “Trabalhos análogos à escravidão: uma análise de indivíduos escravizados no século XXI no Brasil” [1], elaborado pelas pesquisadoras Fernanda Cavalcante Gama, Priscila Thayane de Carvalho Silva, Fabiane Maia Garcia e Audrilene Santos de Jesus, trouxe à luz a realidade persistente do trabalho escravo no Brasil, destacando o resgate de trabalhadores de condições degradantes e exploradoras.
A conexão entre capitalismo (sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção e sua exploração com fins lucrativos) [2] e escravidão moderna (prática social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro) [3] é explorada no texto, mostando como a busca intensa por lucro na lógica do sistema capitalista frequentemente ignora os direitos e a dignidade dos trabalhadores.
Figura 1: Resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão da colheita de palha de Carnaúba em 2013.
O trabalho escravo moderno (Figura 1) é compreendido como uma manifestação da lógica capitalista, fundamentada nas desigualdades estruturais da sociedade, e no contexto brasileiro isso é refletido por tensões históricas, sociais, políticas e culturais. Embora a escravidão moderna não esteja estritamente vinculada à etnia negra, a dimensão racial é de suma importância para compreensão da realidade brasileira. Este fenômeno se manifesta especialmente em setores que dependem de mão de obra intensiva e pouco qualificada, como agricultura (plantação de café, cana-de-açúcar, grãos, algodão), pecuária, construção civil, produções de vestuário, têxtil, carvão, corte de árvores, entre outros [1,2]. As fragilidades das leis trabalhistas brasileiras e a insuficiência de políticas públicas eficazes são também discutidas, destacando a necessidade urgente de ações governamentais que enfrentem esses desafios.
Os dados são alarmantes: em 2023, foram resgatados 3.151 trabalhadores em condições análogas à escravidão, o maior número desde 2009, quando 3.765 pessoas foram libertadas. Essa estatística aponta não apenas para o fato de que esta prática abusiva continua a ocorrer intensamente, mas também para a regressão no cumprimento das leis trabalhistas [4-6], dado o número reduzido de auditores fiscais do trabalho, o mais baixo em 30 anos. Estados como Minas Gerais e Bahia lideram os registros de resgates, reforçando a persistência regional do problema [7].
Para enfrentar eficazmente o trabalho escravo moderno no Brasil, é crucial fortalecer a fiscalização e a aplicação de punições efetivas aos empregadores que perpetuam essas práticas. Tais como o fortalecimento da fiscalização por ampliar o número de auditores fiscais do trabalho, assim como recursos e treinamento para esses profissionais, propor a revisão da legislação para aumentar as sanções legais contra aqueles que se beneficiam do trabalho escravo, desenvolver campanhas educacionais e de conscientização destinadas tanto aos trabalhadores quanto aos empregadores.
Além disso, pode-se estabelecer e divulgar amplamente canais seguros e confidenciais para que os trabalhadores possam denunciar condições de trabalho abusivas, sem medo de retaliação. Também é possível se promover iniciativas como programas de qualificação profissional para trabalhadores de setores vulneráveis, de apoio ao empreendedorismo em comunidades de baixa renda e ainda realizar a implementação de políticas de emprego que incentivem a contratação de pessoas em situação de vulnerabilidade. O fato de se oferecer assistência jurídica gratuita para trabalhadores que se encontram em situações de exploração, garantindo que eles possam buscar justiça sem o impedimento de custos legais, é também de crucial importância.
Essas medidas, se bem implementadas e sustentadas, podem contribuir significativamente para a erradicação do trabalho escravo no Brasil, além de fortalecer a economia do país ao promover um ambiente de trabalho mais justo e igualitário.
Referências Bibliográficas
[1] Clark G, Corrêa LA, do Nascimento SP. Ideologia constitucional e pluralismo produtivo. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, p. 265-300, 2013. Disponível através do link: https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/P.0304-2340.2013vWAp265. Acesso em: 10 jul. 2024.
[2] Gama FC, Silva PTdeC, Garcia FM, de Jesus, AS. Trabalhos análogos à escravidão: uma análise de indivíduos escravizados no século XXI no Brasil. Cadernos EBAPE, v. 21, p. e2021-0211, 2023. Disponível através do link: https://www.scielo.br/j/cebape/a/Y6s6Jp8vG3PkfkY4NjRqPKH/#. Acesso em 10 jul. 2024.
[3] Cham, FCSH. Antiesclavagismo e mudança de paradigma político. Disponível através do link: https://novaresearch.unl.pt/en/publications/antiesclavagismo-e-mudan%C3%A7a-de-paradigma-pol%C3%ADtico. Acesso em: 10 jul. 2024.
[4] Burity JA. Brazil’s rise: Inequality, culture and globalization. Futures, v. 40, n. 8, p. 735–747, 2008. Disponível através do link: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S001632870800027X. Acesso em 10 jul. 2024.
[5] Agência Brasil. Brasil resgatou 3,1 mil trabalhadores escravizados em 2023. Disponível através do link: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-01/brasil-resgatou-31-mil-trabalhadores-escravizados-em-2023. Acesso em: 10 jul. 2024.
[6] Sinait. Sobre o Sinait. Disponível através do link: https://www.sinait.org.br/sobre. Acesso em: 10 jul. 2024.
[7] Agência Brasil. MG e BA são estados com mais casos de trabalho análogo à escravidão. Disponível através do link: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2023-01/mg-e-ba-sao-estados-com-mais-casos-de-trabalho-analogo-escravidao. Acesso em: 10 jul. 2024.