
O Que é Violência Política de Gênero?
Laura Amaral Oliveira¹, Fernanda Maria Policarpo Tonelli², Naony Sousa Costa Martins³
¹ Graduanda do curso de Direito da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS - Divinópolis)
² Editora-chefe do "À Luz da Ciência"
³ Membro do corpo editorial do "À Luz da Ciência" e professora de Direito da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS - Divinópolis)
v.3, n.4, 2025
Abril de 2025
Desde o nascimento são feitas diferenciações de tratamento em virtude do nosso sexo biológico e gênero. Os estereótipos de gênero, em perspectiva binária (homens e mulheres), estão profundamente enraizados em nossa cultura. A mulher é vista como “frágil”, “do lar” e “emotiva”. O homem, por sua vez, como “forte”, “corajoso” e “provedor”. Os papeis e lugares que “cabem” a cada gênero foram separados e estão no subconsciente da sociedade. Dessa forma, são feitas associações automáticas, fator que consequentemente mantém as desigualdades em nossa sociedade.
Essa separação é algo culturalmente praticado, consequência de uma sociedade fundada em um modelo patriarcal (que coloca os homens em posições de poder) e machista (que favorece o gênero masculino em prejuízo do feminino). Porém não se pode considerar que tal cenário seja inalterável, pois a sociedade e a cultura estão sempre em transformação. Chimamanda Ngozi Adichie diz que “a cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura” [1].
A sociedade ainda possui uma visão tradicional de gênero que associa as mulheres às funções domésticas e de cuidado, subestimando a capacidade de liderança delas. Dessa maneira, elas enfrentam dificuldades para acessar e permanecer em lugares de poder e gestão. A violência política de gênero é consequência dessa cultura e dos pensamentos enraizados no subconsciente da sociedade.
De acordo com a pesquisa intitulada “O que é Violência Política contra a mulher?”, realizada pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, a conceituação de violência política de gênero é “todo e qualquer ato sistêmico de violência, com o objetivo de excluir a mulher do espaço político; impedir ou restringir o acesso e o exercício de funções públicas; e/ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade” [2].
A partir de uma análise realizada sobre as legislações acerca da violência política de gênero dos países sul-americanos, verifica-se que primeiramente passou a ser conceituada no sul global na Bolívia (Figura 1), nos anos 90. A Bolívia foi o primeiro país a publicar uma lei autônoma sobre violência política de gênero (Lei nº 243 de 2012). A lei foi publicada após o assassinato da vereadora Juana Quispe Apaza, a qual defendia uma legislação voltada à proteção das mulheres na política e, inclusive, apresentou queixas de assédio [3].
No Brasil, a legislação, apesar de tardia quando comparada às outras normas existentes no mundo, foi um grande avanço para a nossa sociedade. A Lei nº 14.192 foi publicada em 04 de agosto de 2021, e estabelece “normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas, e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais e dispõe sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral” [4]. A referida legislação retirou o Brasil do grupo de países que não possuem nenhuma norma sobre a temática.

Figura 1: Mapa destacando a Bolívia.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:LocationBolivia.svg
A Lei de nº 14.192/21 tipificou, criminalizou, a violência política de gênero no Brasil. O seu artigo 3º, caput, apresenta a seguinte conceituação para a violência política de gênero: “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher” [4]. A mulher apresentada nesta conceituação não se refere ao sexo biológico da pessoa, mas sim à sua identidade de gênero como mulher, independente do sexo. Dessa forma, inclui-se as pessoas transgênero [5].
A legislação acima citada tem a finalidade de prevenir e combater a prática dessa espécie de violência contra mulheres, nos espaços e nas atividades relacionados ao exercício dos seus direitos políticos e suas funções públicas. Trata-se de uma importante inovação para a proteção das mulheres que sofrem restrição dos seus direitos, são constantemente ameaçadas e não se sentem seguras para se inserirem na política por causa da violência que podem sofrer apenas por serem mulheres.
A violência política de gênero pode se manifestar de diversas maneiras como por exemplo, violência psicológica, violência econômica, violência sexual e violência física. As mulheres têm recebido ameaças de morte, estupro, espancamento e sequestro. Muitas vezes elas são silenciadas, impedidas de falar em palanques e espaços públicos, são vítimas de piadas e comentários machistas. Além de serem alvos de fake news (notícias falsas) espalhadas sobre sua vida profissional ou até mesmo pessoal.
A prática dessa forma de violência traz grandes prejuízos para a nossa democracia (sistema de governo em que do povo emana o poder), limitando e enfraquecendo a participação feminina na política. Dessa maneira, prejudica a representação feminina, sendo um obstáculo a propostas que abranjam uma maioria da nossa sociedade, tornando a democracia desigual e restrita. Tudo isso, faz com que a ideia de que o ambiente político é naturalmente masculino seja reforçada. A atuação das mulheres na política é de suma importância para que os direitos femininos de toda a sociedade sejam ouvidos, garantidos e efetivados.
Portanto, é necessário que a violência política de gênero se torne cada vez mais divulgada e comentada, para que as pessoas tenham conhecimento do que se trata e da sua gravidade. Consequentemente, tornando a lei que passou a criminalizar essa prática, Lei nº 14.192/21, mais conhecida no meio social. Desse modo, as mulheres poderão acessar os espaços de poder sem medo ou limitações, ou seja, de forma livre, a fim de que referidos espaços não sejam limitados apenas aos homens e nem se perpetue a ideia de que a figura masculina é a única que deve ocupar o referido lugar.
Referências Bibliográficas
[1] Adichie CN. Sejamos todas feministas. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
[2] Gruneich D, Cordeiro I. O que é violência política contra mulher? Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2022. Disponível através do link: https://mpmt.mp.br/site/storage/webdisco/arquivos/violencia_politica_mulher%20(2).pdf. Acesso em 10 abr. 2025.
[3] Arnaud RR. Análise comparativa da violência política de gênero na legislação dos países sul-americanos. Disponível através do link: https://www.agendapolitica.ufscar.br/index.php/agendapolitica/article/view/852/469. Acesso em: 10 abr. 2025.
[4] Brasil. Lei nº 14.192, de 04 de agosto de 2021. Estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher; e altera a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições). Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2021. Disponível através do link: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14192.htm. Acesso em: 10 abr. 2025.
[5] Observatório de Violência Política Contra Mulher. Cartilha sobre violência política de gênero. 2021. Disponível através do link https://aplicacao.mpmg.mp.br/ouvidoria/CARTILHA_VIOLENCIA_GENERO.pdf. Acesso em: 10 abr. 2025.