
Entrevista:
Maria Emília Soares Martins dos Santos
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MARIA EMÍLIA SOARES MARTINS DOS SANTOS
Graduação em Biomedicina pela Universidade de Uberaba (2003) e doutorado em Bioquímica (2008) pelo departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo-FMRP/USP e pela Case Western Reserve University-Cleveland-OH-USA. Pós-doutorado (2014) na área de metabolismo (Fisiopatologia e Farmacologia Molecular) pelo Joslin Diabetes Center- School of Medicine-Harvard University.
Por Christopher Santos Silva¹, Naony Sousa Costa Martins²
¹Graduando do curso de Bioquímica (UFSJ-CCO)
²Editora do "À Luz da Ciência"
v.3, n.2, 2025
Fevereiro de 2025
Quando percebeu que possuía interesse por ciência?
Desde pequena lembro de construir brinquedos para brincar, tipo pinças, pegadores ... Também brincava muito de misturar coisas: água com terra, com sabão, tinta etc... Sempre gostei muito de cozinhar.. realmente achava “mágico” misturar coisas diferentes e sair um bolo... Também sempre fui muito metódica, protocolar mesmo... Dancei balé desde pequena, não faltava aos ensaios, organizava minhas roupas, arrumava meu cabelo... Além disso, minha mãe conta que, lá pelos 6 anos, vendo ela trabalhar, disse que seria professora como ela. Então acho que desde pequena tinha um olhar muito observador para as mudanças, transformações e uma personalidade protocolar. Acho que talvez esse foi o meu primeiro olhar científico... A ciência das coisas simples. Fora isso, na escola sempre me interessei muito por Ciência, Biologia, Química. Por outro lado, também era muito boa em Português, Literatura, Redação... essa dualidade, deu um nozinho na minha cabeça quando fui prestar vestibular.
Teve dúvidas para escolher o curso?
Como disse antes, exatamente por gostar de áreas distintas, fiquei em dúvida sim... e não em dúvida só cursos mas sim de área: biológicas ou humanas... Mas aí, o curso de Biomedicina era um curso novo na época e além disso tinha na minha cidade, uma vez que não tinha condições de sair para estudar. Li muito sobre Biomedicina, entrei no curso e desde o princípio me encontrei. E ainda descobri que ser boa em Português, redação era necessário numa área de saúde, uma vez que devemos escrever inúmeros relatórios, projetos de pesquisa, discussão de dados, etc. Então assim, consegui fazer tudo que gosto.
O que considera ter sido decisivo em sua escolha por seguir a carreira científica?
Essa pergunta é muito fácil. No 3º período da faculdade tive a disciplina de Bioquímica Clínica com a professora Josana Martins Rodrigues Agreli. A matéria era cabulosa, todo mundo ficava receoso com a disciplina e com a professora que era extremamente exigente. Por algum motivo, eu me conectei em um nível altíssimo com a Bioquímica. A professora tinha explicações tão claras, didáticas e coerentes e difíceis também, mas que me encantavam. Realmente fez muito sentido para mim aquelas explicações e achei nosso corpo tão lindamente regulado e sincronizado que me apaixonei. Deste período para frente fui monitora em Biquímica praticamente até me formar, fiz estágios em Bioquímica e em áreas correlatas, iniciação científica... Posso claramente destacar que cursei toda a minha graduação com a decisão de ao acabá-la, entrar em uma pós graduação.
Por qual razão optou por dedicar-se à área de estudo na qual realiza suas pesquisas?
Bom, a Bioquímica Clínica, que eu expliquei acima, baseia-se principalmente na investigação de processos metabólicos do nosso organismo, analisando materiais orgânicos como sangue, urina, fezes, entre outros. Então assim, os exames laboratoriais (Ex.: dosagem de glicemia) são essenciais para o diagnóstico de patologias assim como o monitoramento do tratamento. De forma simples, os exames bioquímicos são úteis para monitorar saúde e doença. Dito isso, grande parte das patologias estão intimamente relacionadas a algum distúrbio metabólico. Qualquer alteração metabólica pode levar a alterações que conseguimos visualizar, por exemplo, através de exames de sangue. Neste sentido, gostando de Bioquímica, estudar Metabolismo era apenas uma passo necessário. Fui para a Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto-SP, e meu orientador foi o Prof. Dr. Renato Hélios Migliorini (1926-2008): um exímio médico, e Bioquímico. Expert em Metabolismo. Aprendi muito sobre como fazer ciência de qualidade com o Dr. Renato. Ele prezava muito pela elaboração das hipóteses, execução de experimentos, discussão sólida de dados. Ele realmente me ensinou muito sobre pensamento crítico e científico. Sou realmente muito grata pela formação que recebi dele e também da Prof. Dra. Isis do Carmo Kettelhut. Durante meu doutorado estudei sobre a Gliceroneogênese em várias situações fisiológicas e patológicas como consumo de dieta hiperprotéica, dieta hiperlipídica e hipercalórica, diabetes, entre outras. Nessa época, grande parte da minha experimentação era Bioquímica clássica, estudando atividade enzimática e fluxo de vias metabólicas. Por esse motivo, fui fazer o doutorado sanduíche com o Dr. Richard Hanson na Case Western Reserve University, porque ele também estudava a gliceroneogênese mas com através de técnicas de biologia molecular. Imaginava, que para a minha formação, ter conhecimento de técnicas clássicas e técnicas mais modernas seria muito necessário. E foi mesmo. Assim que pude iniciar meus trabalhos científicos autorais, estabeleci minha linha de pesquisa na Avaliação do Metabolismo Energético em Situações Patológicas: Ação e Potencial terapêutico de compostos bioativos. No pós-doutorado meu supervisor foi o Dr. Steven Shoelson, do Joslin Diabetes Center da Escola de Medicina de Harvard. Durante este período tive a oportunidade de aprender mais sobre a interseção da Bioquímica e da Imunologia, além do contexto de pesquisas translacionais. Escrevendo isso agora, percebo que realmente escolhi os caminhos que eu gostaria enquanto pesquisadora.
Qual a principal motivação para seguir trabalhando com ciência no Brasil?
Eu realmente acredito que a educação pode mudar vidas. Eu vivi isso. Lá na minha infância, meu mundo era o tamanho da minha cidade. Visitar um país fora do Brasil era inimaginável e inatingível. A ciência me deu tudo o que sou e tenho. Estou certa disso. E nesse contexto, ensinar e orientar jovens é um compromisso meu com a sociedade. Minimamente tento voltar para ela o que recebi. Penso, que mesmo que esses alunos e orientandos não sigam na ciência como profissionais, os ensinamentos científicos são para a vida: pensar antes de realizar, saber que para alcançar um objetivo é necessário um processo, resultados negativos também são resultados porque aprendemos o que não fazer, recuar e observar de longe e só depois decidir o caminho é necessários as vezes, ver o extraordinário no ordinário, enfim... poderia falar diversas outras coisas. Isso ainda me mantém no propósito de seguir na Ciência.
Qual a principal dificuldade que enfrenta trabalhando com ciência no Brasil?
A questão de financiamentos para pesquisa é sim um gargalo importante. Porque as vezes o pesquisador até consegue aprovar algum financiamento mas dependendo da infraestrutura física que ele tem disponível no local onde ele atua, o financiamento recebido é insuficiente para fazer uma experimentação de qualidade. E obviamente, isso compromete a revista que aceitará a publicação posteriormente e a produção desse pesquisador, dificultando ainda mais a aprovação de novos projetos. É um ciclo desgastante. Também salientaria que a cada ano que passa, menos pessoas tem se interessado pelo ingresso na vida acadêmica e científica. Acredito que o tempo de estudo necessário para uma boa formação aliada a pouca valorização desse profissional, tem afastado os interessados e certamente pode prejudicar bastante a formação de cientistas no futuro.
O que gostaria de dizer para quem deseja seguir a carreira científica?
A carreira científica é para quem gosta de um trabalho sem rotina mas ao mesmo tempo protocolar. Digo sem rotina, porque quanto mais você sabe, mais você pesquisa e mais você precisa saber de tópicos diferentes. Então, é um mais do mesmo, que definitivamente, não é mais do mesmo. A tecnologia avança rapidamente, então, por exemplo, uma pergunta que hoje você não consegue responder com as técnicas disponíveis, amanhã você conseguirá. Mas para saber, tem que sempre se atualizar... Então, ter essa vontade de sempre buscar conhecimento é necessário para quem quer uma carreira científica. Por outro lado, a pessoa deve saber que nem sempre é fácil. Fazer ciência é um processo que depende de dedicação, esforço, resiliência, paciência e diversos: cair e levantar. Ao mesmo passo que trabalhar com ciência é também é extremamente gratificante. Você pode fazer pequenas ou grandes contribuições, mas sempre será o que você descobriu. De certa forma, você sempre terá contribuído para a história e para a vida das pessoas em algum contexto.