
Combatendo-se a Evasão Feminina das Carreiras Científicas no Brasil: Análise Acerca da Lei Nº 13.536/2017
Fernanda Maria Policarpo Tonelli¹, Naony Sousa Costa Martins²
¹ Editora-chefe do "À Luz da Ciência"
² Membro do corpo editorial do "À Luz da Ciência" e professora de Direito da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS - Divinópolis)
v.3, n.4, 2025
Abril de 2025
Mundialmente discute-se a evasão feminina das carreiras científicas, sendo a maior desigualdade de gênero observada nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (áreas STEM) [1,2]. No entanto, mesmo em áreas não STEM é comum evidenciar-se diminuição da presença das mulheres quando se avança dos níveis iniciais ao topo desta carreira. Tal fato é denominado “efeito tesoura” [3].
O primeiro passo para a carreira científica comumente é a iniciação científica, que ocorre no período da graduação (enquanto se cursa o ensino superior em universidade ou faculdade). Os próximos passos envolvem a pós-graduação stricto sensu, ou seja, os cursos de mestrado e doutorado. Para as mulheres, entretanto, o acesso ao ensino universitário se deu em atraso em relação aos homens no Brasil. Apenas em 1879 elas conquistaram o direito de cursar graduação [4].
Soma-se a este atraso histórico, o cenário hostil enfrentado por mulheres na carreira científica, principalmente em áreas STEM, como por exemplo, assédio, preconceito e falta de apoio associado à maternidade [5]. Estes fatores estão relacionados aos valores patriarcais difundidos na sociedade brasileira [6], que resultam em manifestações preconceituosas em relação às mulheres, considerando-as adequadas apenas para o desempenho de tarefas domésticas e cuidado com os filhos. O consequente machismo deste tipo de sociedade contribui para a perpetuação de desigualdades de gênero que afeta também o ambiente de produção de ciência [7].
Antes de 2018, por exemplo, não havia previsão legal para a prorrogação da vigência de bolsas de estudo de agências de fomento concedidas às estudantes de mestrado e doutorado quando ocorria adoção ou nascimento de filhos durante este prazo de recebimento da bolsa. Apesar de a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e algumas fundações de amparo à pesquisa como a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) terem emitido portarias a este respeito [8,9], ainda haviam bolsas não prorrogáveis no país. Apenas em 2017 a Lei Nº 13.536 abordou tal questão para regulamentá-la.

Figura 1: Participação feminina dentre os estudantes de mestrado e doutorado no Brasil.
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de dados do censo do CNPq [10].
Dados dos censos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de 2013 a 2017 e de 2022 revelaram que a participação percentual feminina dentre os estudantes de mestrado e doutorado no país encontrava-se como evidenciado na Figura 1. Ou seja, de 2013 a 2017 as mulheres eram 52% dos estudantes de mestrado no país e 50% dos estudantes de doutorado.
Após a entrada em vigor da Lei Nº 13.536, em dezembro de 2017 [11], no entanto, alterações foram evidenciadas neste cenário. No censo de 2022 a participação feminina no mestrado havia aumentado para 55% e aquela do doutorado para 53%.
A referida lei consistiu em ferramenta eficiente para aumentar a participação feminina na pós-graduação stricto sensu no Brasil ao lidar com fatores de evasão associados à maternidade nestes níveis da carreira científica num contexto que busca permitir participação em condição de igualdade com o gênero masculino. Ou seja, visou-se a igualdade de condições para efetiva participação da mulher no cenário científico [12]. Vislumbrou a questão no sentido de almejar ofertar condições para as bolsistas-mães poderem concluir seu mestrado ou doutorado, mas, também, dedicar atenção aos seus filhos recém-nascidos ou adotados. Conferiu a estas mulheres o benefício concedido às trabalhadoras empregadas em regime CLT: licença-maternidade de cento e vinte dias, sem prejuízo do salário ou do emprego [13].
Reconhecimento, paridade de participação e redistribuição, a tríade analisada pela Professora Nancy Fraser ao refletir sobre a busca por um Estado democrático com justiça social [14], encontra-se contemplada no texto da Lei Nº 13.536/2017. Primeiramente reconheceu-se diferenças [15]: a situação desigual e injusta a que eram submetidas as pesquisadoras pós-graduandas gestantes ou adotantes no país. Estas tinham que dividir-se entre a pesquisa, para concluir seus trabalhos acadêmicos no mesmo tempo que os demais pesquisadores, e cuidar dos filhos: sem direito à licença maternidade. Tal cenário poderia motivar sua evasão da carreira científica e deveria ser evitado.
Na sequência, considerou-se a redistribuição [15]. Era necessário reorganização dos investimentos, neste caso, alocando recursos para a extensão da vigência das bolsas destas pós-graduandas conferindo a elas a licença-maternidade remunerada em equivalência à das trabalhadoras regime CLT.
Consequentemente, o terceiro elemento da tríade foi contemplado: a paridade de participação [15]. Neste caso, foi evidenciado redução de barreiras e aumento na participação das mulheres dentre os pós-graduandos stricto sensu no país. A lei foi ferramenta para a criação de mecanismos para uma participação mais efetiva destas mulheres na ciência nacional.
Ainda analisando dados do censo de 2022, ampliando-se o olhar para nível mais acima do doutorado (docência universitária) e para o topo da carreira científica no país (Bolsistas Produtividade), o “efeito tesoura" ainda existe no Brasil. O efeito é assim conhecido pois, traçando-se o gráfico da participação feminina e masculina nos diferentes níveis da carreira científica, o resultado lembra uma tesoura aberta; uma das hastes da tesoura é a participação masculina, que é uma linha que cresce em percentual da base ao topo da carreira. A outra é uma haste que diminui em percentual: a participação feminina que devido à evasão resulta em sub-representação das mulheres (sendo apenas 27% dos bolsistas produtividade em 2022) em níveis mais próximos ao topo desta carreira (Figura 2).

Figura 2: Participação de mulheres e homens em diferentes níveis da carreira científica no Brasil.
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de dados do censo do CNPq [10].
Logo, ainda se fazem necessárias outras estratégias para combate à sub-representação feminina nestes níveis da carreira localizados acima da pós-graduação stricto sensu. No entanto, é evidente o sucesso da Lei Nº 13.536/2017 no combate à evasão das pós-graduandas gestantes e adotantes de carreiras na pesquisa no país, contribuindo ainda para o aumento da participação feminina nestes níveis.
Referências Bibliográficas
[1] Casad BJ, et al. Gender inequality in academia: Problems and solutions for women faculty in STEM. Disponível através do link: https://doi.org/10.1002/jnr.24631. Acesso em: 10 abr. 2025.
[2] Amemiya J. Why are there no girls? Increasing children's recognition of structural causes of the gender gap in STEM. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.cognition.2024.105740. Acesso em: 10 abr. 2025.
[3] Do Nascimento HF. Democratização de Espaços de Pesquisa Científica: Reflexões sobre a Relevância de Interface entre Questões de Gêneros e Ciência. Disponível através do link: https://doi.org/10.37885/221211616. Acesso em: 10 abr. 2025.
[4] Da Motta ID, et al. O pleno acesso e permanência de meninas e mulheres à educação enquanto mecanismo fundamental à efetiva construção de equidade de gênero. Disponível através do link: https://periodicos.ufba.br/index.php/revdirsex/article/view/49694/27022. Acesso em: 10 abr. 2025.
[5] Staniscuaski F, et al. Bias against parents in science hits women harder. Disponível através do link: https://doi.org/10.1057/s41599-023-01722-x. Acesso em: 10 abr. 2025.
[6] De Araújo LMBM, et al. Identidades e (não)lugares da maternidade na ciência: discursos e contra-discursos nas mídias contemporâneas. Disponível através do link: http://doi.org/10.21165/el.v49i3.2644. Acesso em: 10 abr. 2025.
[7] Walczak AT, et al. Maternidade e carreira científica: experiências e concepções das docentes mães da Universidade Federal do Pampa. Disponível através do link: https://periodicosonline.uems.br/index.php/interfaces/article/download/6603/5988. Acesso em: 10 abr. 2025.
[8] CAPES. Portaria nº 248, de 19 de Dezembro de 2011. Disponível através do link: https://abmes.org.br/legislacoes/detalhe/1176/portaria-capes-n-248. Acesso em: 10 abr. 2025.
[9] FAPESP. Portaria nº 08, de 15 de Julho de 2015. Disponível através do link: https://fapesp.br/9593/portaria-pr-no-082015. Acesso em: 10 abr. 2025.
[10] Gorziza A, et al. O efeito tesoura para mulheres na ciência. Disponível através do link: https://piaui.folha.uol.com.br/o-efeito-tesoura-para-mulheres-na-ciencia/. Acesso em: 10 abr. 2025.
[11] BRASIL. Lei nº 13.536 de 15 de dezembro de 2017. Dispõe sobre a prorrogação dos prazos de vigência das bolsas de estudo concedidas por agências de fomento à pesquisa nos casos de maternidade e de adoção. Disponível através do link: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13536.htm. Acesso em: 10 abr. 2025.
[12] Tonelli FMP, et al. Participação Feminina Nas Carreiras Científicas: Estratégias Para O Enfrentamento Da Sub-Representação Sob A Ótica Das Proposições Jusfilosóficas De Nancy Fraser Em Contexto Isomênico. Disponível através do link: https://periodicos.fapam.edu.br/index.php/synthesis/article/view/659/337. Acesso em: 10 abr. 2025.
[13] BRASIL. Lei nº 5.452 de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível através do link: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 10 de abr. 2025.
[14] Cardoso FLL. Cidadania, paridade de participação e o modelo de análise tridimensional de Nancy Fraser. Disponível através do link: https://periodicos.fclar.unesp.br/semaspas/article/view/6976. Acesso em: 10 abr. 2025.
[15] Fraser N. A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação. Disponível através do link: https://www.ces.uc.pt/publicacoes/rccs/artigos/63/RCCS63-Nancy%20Fraser-007-020.pdf. Acesso em: 10 abr. 2025.