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Câncer: entre os avanços da doença e os da ciência

Júlia Alves Camelo Brasil¹, Laísa Aparecida Santos², Lucas de Araújo Gomes¹, Maria Eduarda Ferreira Santiago¹, Sarah Alves Vilela Almeida²

¹Graduandos do curso de Medicina (UFSJ-CCO)

²Graduandas do curso de Enfermagem (UFSJ-CCO)

v.2, n.11, 2024
Novembro de 2024

A palavra “câncer” contém em si uma carga emocional negativa para muitas pessoas. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em 2019 apontou que, para cerca de 27% dos brasileiros, à época, ter câncer era o maior medo da vida, ultrapassando outras situações como ser assaltado ou perder o emprego [1]. Fato é que o câncer é um conjunto de doenças que envolve constantes transformações nas células e consequentemente no organismo do paciente e, dado o elevado número de casos de pessoas acometidas, que requer avanços simultâneos em termos de conscientização social, diagnóstico e tratamento.

Por câncer entende-se doença causada pela proliferação descontrolada de células transformadas [2]. Em outras palavras, trata-se de uma condição em que ocorre uma série de alterações a nível molecular, que modificam a estrutura do DNA das células; como consequência, este material genético (o DNA) é alterado fazendo com que as células adquiram capacidade de, por exemplo, evadir das estratégias de defesa elaboradas pelo sistema imune e resistir a moléculas inibidoras do crescimento celular [3]. As células cancerosas tornam-se capazes de se dividir sucessivamente (aumentando consequente em número), desrespeitando os mecanismos que regulam o crescimento e a proliferação de todas as células do organismo. Além disso, como o DNA - a molécula que contém a informação genética responsável pelo desenvolvimento e funcionamento do ser vivo [4] - desse conjunto de células é instável, propenso a mais mutações (alterações na sua sequência [5]), elas estão sujeitas a falhas genéticas cumulativas, o que significa que um câncer não é estável ao longo do tempo. A doença de um indivíduo hoje não é a mesma de 2 anos atrás - e nem a sua resposta ao tratamento antes empregado .

A origem da palavra “câncer” é incerta: alguns teorizam que Hipócrates (470-370 a.C.), creditado como pai da Medicina, utilizou a palavra “karkinos” e “karkinoma” para descrever tumores não-formadores e formadores de úlceras, respectivamente, pelo formato que as projeções da massa tumoral criam, similares às pinças de um caranguejo [6]. Outra teoria, mais intuitiva, associa a capacidade do caranguejo de se aderir agressivamente às superfícies, com difícil remoção, assim como o câncer em fases avançadas no corpo humano. 

O câncer é tão antigo quanto a própria civilização humana. Achados recentes confirmam que mesmo os antigos empreenderam tentativas de curar o câncer, à sua maneira: cientistas investigaram um crânio egípcio datado de mais de 2.300 a.C., apresentando mais de 30 lesões típicas de câncer metastático - quando há o espalhamento de células cancerosas do seu local de origem para outro lugar do corpo [7] - com evidências microscópicas de cortes em suas bordas. Os pesquisadores acreditam que o homem, falecido com cerca de 30 anos, pode ter sido submetido a algum procedimento com um objeto pontiagudo, em uma tentativa de remoção das metástases [8].

A descrição mais antiga de câncer, embora não com tal terminologia, também veio do Egito e foi feita há cerca de 3.000 anos antes de Cristo: trata-se de um relato de 8 casos de tumores ou úlceras mamárias removidas por cauterização, para os quais o texto menciona: “não há tratamento”.

No presente, o fardo causado pelo câncer é notório. De acordo com a Agência  Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, da Organização Mundial da Saúde, em 2022 houveram cerca de 20 milhões de novos casos e 9,7 milhões de mortes pela doença; a instituição ainda estima que 1 a cada 5 pessoas terá câncer na vida [9]. No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer, entre 2023 e 2025 o país registrará mais de 700 mil casos por ano, sendo os tipos mais comuns os cânceres de pele não-melanoma, de mama e de próstata [10]. É indubitável a pressão crescente sobre o sistema de saúde, que deve ser capaz não apenas de rastrear os casos iniciais de câncer, quando pertinente, mas também de prover tratamentos curativos e paliativos conforme a necessidade dos pacientes. Além disso, a própria formação médica deve contemplar essa realidade, na medida que uma boa relação médico-paciente é fundamental no tratamento do paciente diagnosticado com câncer;  em comparação  com pacientes  que relataram  respeito  subótimo de  seus médicos, pacientes com quais seus médicos estabeleceram uma boa relação tem menor chance de relatar qualidades de vida relacionadas à saúde e à saúde mental menores, além de dor moderada à severa ao acompanhamento do câncer [11].

Em termos de inovação, uma das terapias mais promissoras para a cura do câncer é a imunoterapia. Trata-se do uso das próprias células de defesa do paciente, sensibilizando-as para que sejam capazes de reconhecer e destruir as células malignas - no paciente oncológico, o sistema imune pode ser incapaz de reconhecer as células cancerosas, como previamente mencionado, ou estar muito debilitado para combatê-las. Esta terapia pode ser usada de maneira isolada ou associada a outras modalidades terapêuticas, como cirurgia, radioterapia ou quimioterapia, e atualmente é o método de escolha para certos tipos de câncer. Ainda em fase de estudos, seu uso está condicionado principalmente ao tipo de câncer do paciente e ao grau de extensão da doença. Entre os diversos tipos de imunoterapia, estão as vacinas, os anticorpos monoclonais (proteínas com capacidade de reconhecerem e atacarem especificamente o alvo, no caso as células malignas), citocinas (ativadoras e potencializadoras do sistema imune) e a terapia CAR-T (que consiste em uma forma de engenharia genética, que modifica o DNA das células T de defesa do indivíduo, para que sejam capazes de reconhecer e atacar as células cancerosas) já usada em pacientes com leucemia [12].

Em suma, o câncer é desafiador, mas a comunidade científica e a sociedade civil devem encarar esse problema de saúde pública ativamente. Propostas como o Projeto de Lei nº 5.514/23, que garante o acesso de pacientes com câncer à imunoterapia pelo Sistema Único de Saúde [13], e o estabelecimento do Programa de Terapia Celular do Instituto Butantan em 2022, para difusão da tecnologia CAR-T no Brasil [14] evidenciam a importância da ciência e da saúde pública no cenário do tratamento do câncer no país, além de trazerem mais esperanças aos pacientes. Dessa forma, os avanços da comunidade científica poderão, eventualmente, superar o avanço do câncer na sociedade.

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Figura 1:Evidências de instrumentação em crânio de indivíduo com câncer metastático em crânio.

Fonte: https://www.metropoles.com/saude/cranios-egipcios-tratamento-cancer

Referências Bibliográficas

[1] Folha de São Paulo. Câncer é o maior medo dos brasileiros, mostra pesquisa do Datafolha. 2019. Disponível através do link: https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2019/08/cancer-e-o-maior-medo-dos-brasileiros-mostra-pesquisa-do-datafolha.shtml. Acesso em 05 nov. 2024.

[2] Brown JS. et al. Updating the Definition of Cancer. Mol Cancer Res. v. 21, n. 11, 2023. Disponível através do link: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10618731/pdf/1142.pdf. Acesso em 05 nov. 2024.

[3] Hanahan D. Hallmarks of Cancer: New Dimensions. Cancer Discov. v. 1, p. 31-46, 2022. Disponível através do link: https://www.aacr.org/blog/2022/01/21/new-dimensions-in-cancer-biology-updated-hallmarks-of-cancer-published/. Acesso em 05 nov. 2024.

[4] National Cancer Institute. DNA - NCI Dictionary of Cancer Terms. Disponível através do link: https://www.cancer.gov/publications/dictionaries/genetics-dictionary/def/dna. Acesso em 05 nov. 2024.

[5] National Cancer Institute. Mutation - NCI Dictionary of Cancer Terms. Disponível através do link: https://www.cancer.gov/publications/dictionaries/cancer-terms/def/mutation. Acesso em 05 nov. 2024.

[6] American Cancer Society. Understanding What Cancer Is: Ancient Times to Present. 2018. Disponível através do link: https://www.cancer.org/cancer/understanding-cancer/history-of-cancer/what-is-cancer.html. Acesso em 05 nov. 2024.

[7] National Cancer Institute. Metastasis - NCI Dictionary of Cancer Terms. Disponível através do link: https://www.cancer.gov/publications/dictionaries/cancer-terms/def/metastasis. Acesso em 05 nov. 2024.

[8] Tondini T, et al. Case report: Boundaries of oncological and traumatological medical care in ancient Egypt: new palaeopathological insights from two human skulls. Front. Med., 2024. Disponível através do link: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmed.2024.1371645/full. Acesso em 05 nov. 2024.

[9] Organização Panamericana de Saúde. Carga global de câncer aumenta em meio à crescente necessidade de serviços. 2024. Disponível através do link: https://www.paho.org/pt/noticias/1-2-2024-carga-global-cancer-aumenta-em-meio-crescente-necessidade-servicos. Acesso em 05 nov. 2024.

[10] Laboissière P. Brasil deve registrar 704 mil casos de câncer ao ano entre 2023 e 2025. 2023. Disponível através do link: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2023-11/brasil-deve-registrar-704-mil-casos-de-cancer-ao-ano-entre-2023-e-2025. Acesso em 05 nov. 2024.

[11] Samuel CA, et al. The role of patient-physician relationship on health-related quality of life and pain in cancer patients. Support Care Cancer v. 28, p. 2615–2626, 2020. Disponível através do link: https://link.springer.com/article/10.1007/s00520-019-05070-y. Acesso em 05 nov. 2024.

[12] Cancer Research UK. What is immunotherapy? Disponível através do link: https://www.cancerresearchuk.org/about-cancer/treatment/immunotherapy/what-is-immunotherapy. Acesso em 05 nov. 2024.

[13] Brasil. Projeto assegura imunoterapia a pacientes com câncer pelo SUS. Agência Câmara de Notícias. 2024. Disponível através do link: https://www.camara.leg.br/noticias/1034045-PROJETO-ASSEGURA-IMUNOTERAPIA-A-PACIENTES-COM-CANCER-PELO-SUS PETER MOON. Acesso em 05 nov. 2024.

[14] Butantan. A história da terapia CAR-T: 60 anos de evolução e pioneirismo em direção à cura do câncer. 2023. Disponível através do link: https://butantan.gov.br/noticias/a-historia-da-terapia-car-t-60-anos-de-evolucao-e-pioneirismo-em-direcao-a-cura-do-cancer. Acesso em 05 nov. 2024.

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