Abreugrafia:
Uma técnica radiográfica inovadora para a detecção precoce de doenças pulmonares
Felipe Silva Mesquita¹, Gabriel Henrique Silveira Andrade¹, Geicielly da Costa Pinto¹, Katia Maria Ferreira², Lorrayne dos Santos¹, Marina Carvalho de Faria¹, Vitor de Morais Santos¹, Vitor Hugo Passos Monteiro¹
¹Graduandos do curso de Farmácia (UFSJ-CCO)
²Graduanda do curso de Enfermagem (UFSJ-CCO)
v.1, n.1, 2023
Setembro de 2023
A medicina tem avançado rapidamente nas últimas décadas, oferecendo novas técnicas e tecnologias para o diagnóstico e tratamento de doenças. Na história deste campo da ciência merece destaque entre as inovações, a abreugrafia: técnica radiográfica desenvolvida na década de 30 que foi utilizada para a detecção precoce de doenças pulmonares, mesmo quando os indivíduos infectados não manifestavam sintomas [1-3].
Especialmente na primeira metade do século XX, a tuberculose era compreendida como “mal social”, uma vez que ela acometia, sobretudo, a população que vivia em condições precárias de moradia, trabalho, higiene e saúde. Essa doença infectocontagiosa é transmitida via ar através de partículas contaminadas emitidas pelos infectados ao espirrarem ou tossirem, por exemplo. Foi a causadora de muitas mortes e tragédias sociais até meados do século XX, quando a tecnologia contemporânea avançava devagar e o número de infectados aumentava com rapidez [4]. A tuberculose é provocada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, conhecida também como bacilo de Koch. Afetando prioritariamente os pulmões (forma pulmonar), essa doença pode ainda acometer outros órgãos e/ou sistemas [6]. Entre os anos de 1930 e 1940 os índices de mortalidade pela tuberculose tiveram um aumento exorbitante em razão da ineficiência das medidas sanitárias para o combate à doença, o que levou à procura por métodos eficazes para o diagnóstico, tratamento e controle da doença [4].
A revolução que possibilitou que a tuberculose tivesse um menor impacto negativo sobre a saúde das pessoas com o passar dos anos, foi o desenvolvimento da abreugrafia por um médico brasileiro, nascido em 04 de janeiro de 1891 na cidade de São Paulo e graduado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro: Manuel Dias de Abreu. Esta técnica por ele desenvolvida oferecia uma forma mais rápida e barata para detectar as pessoas infectadas. O método desenvolvido por Manoel permitiu que se pudesse obter chapas radiográficas dos pulmões das pessoas e por meio destas os médicos identificavam os indivíduos doentes, iniciando o tratamento destes [7].
A técnica que ficou conhecida como abreugrafia, permitia diagnóstico precoce da tuberculose e possibilitou, consequentemente, que os enfermos passassem a receber o tratamento ideal mais rapidamente, podendo assim, terem mais chances de cura. A cidade do Rio de Janeiro foi a primeira a receber o aparelho (desenvolvido pela Casa Lohner) que realizava o exame [6, 7].
A abreugrafia, também conhecida como radiografia dinâmica do tórax, consiste em técnica radiográfica especializada que permite avaliar a atividade dos pulmões e detectar anomalias em tempo real. Trata-se de um método com um elevado grau de sensibilidade e com uma especificidade considerada intermediária (fatores determinantes na escolha de um método diagnóstico). Diferentemente das radiografias que capturam uma imagem imóvel do tórax, a abreugrafia utiliza várias imagens em sequência para acompanhar a mobilidade respiratória do paciente [5].
Durante o exame de abreugrafia, o paciente era disposto em frente a um aparelho de raios-X e instruído a realizar uma série de respirações profundas e rápidas (Figura 1). Durante o tempo que o paciente respirava, o aparelho de raios-X capturava várias imagens seriadas, permitindo a análise do movimento dos pulmões e das estruturas próximas a este [3-5].
Essas imagens sequenciais eram então combinadas em um único filme radiográfico, que evidenciava o movimento dos pulmões durante a respiração. Essa característica dinâmica do exame proporcionava aos médicos informações valiosas sobre o funcionamento pulmonar, ajudando na constatação precoce de várias enfermidades como o enfisema, a fibrose pulmonar, e o câncer de pulmão, e não apenas da tuberculose [5].
Figura 1: Imagem retratando como o exame era realizado, os pacientes dispostos em frente ao aparelho de raio-X para que fosse feito a análise da movimentação de seus pulmões.
Quando comparada às radiografias convencionais, a abreugrafia permite avaliação mais evidente da movimentação pulmonar, fornecendo várias informações sobre a função respiratória. Isso é extremamente importante na detecção de doenças pulmonares classificadas como restritivas, ou seja, que comprometem a função dos pulmões de se expandir adequadamente durante a respiração.
A técnica também permitiria identificar desequilíbrio pulmonares sutis que poderiam passar despercebidos em radiografias convencionais. Logo, benefícios como menor taxa de radiação e o maior grau de informações obtidas através do exame estão associados à técnica brasileira, precursora dos raios-X que hoje realizamos [1-3].
A técnica desenvolvida por Manoel de Abreu revolucionou a medicina do século XX e fez com que o seu inventor fosse indicado ao Prêmio Nobel de Medicina nos anos de 1946, 1951 e 1953. Em adição, vale salientar que tamanha é a importância dessa invenção que o dia 4 de janeiro foi intitulado como o dia nacional da abreugrafia [7].
Apesar de não ser mais utilizada nos dias atuais, a abreugrafia foi uma técnica radiográfica revolucionária e brasileira que ofereceu uma visão detalhada do funcionamento pulmonar, o que foi crucial para, por exemplo, um Rio de Janeiro assolado por uma epidemia de tuberculose. O exame chegou a ser realizado também em outros países, revelando-se ferramenta importante para que os médicos pudessem realizar, através de exame seguro, eficiente e de baixo custo, diagnósticos de forma rápida e efetiva, possibilitando a oferta de tratamentos mais eficazes e com melhores resultados para os pacientes [8].
Referências Bibliográficas
[1] Virk J, Holmes D. Radiology in Brazil: A Country Report. J Glob Radiol. 2023;9(1):1-17.
[2] Batista CP. A Epidemiologia da Tuberculose Humana no Brasil. Rev Cientif FESA. 2021;1(3):192-225.
[3] Lima AM et al. Brasileiros que contribuíram na história da Radiologia. Avanços em Medicina. 2021;1(1):41-44.
[4] De Souza Maciel M et al. A história da tuberculose no Brasil: os muitos tons (de cinza) da miséria. Rev Socied Bras Clín Méd. 2012;10(3):226-230.
[5] Francisco FC et al. História da radiologia no Brasil. Rev Imagem. 2006; 28(1):63-66.
[6] BRASIL - Ministério da Saúde. Tuberculose. Disponível através do link: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/t/tuberculose. Acesso em: 01 set. 2023.
[7] Da Fonseca MRF. Abreu, Manuel Dias de. Disponível através do link: https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/ abreuman.htm#:~:text=Em%201936%2C%20Manoel%20Dias%20de,%E2%80%9C%20(RIBEIRO%2C%201964. Acesso em 01 set. 2023.
[8] Fioravanti C. Retratos dos pulmões: A invenção de Manoel de Abreu permitiu a detecção de casos precoces de tuberculose. Rev FAPESP. 2015;228:25.