
Organ-on-a-chip: A Miniaturização das Funções Fisiológicas do Corpo Humano
Larissa Cristiane Souza Prote¹, Maria Eduarda de Sousa Silva¹, Melissa Gomes Santana², Bruna Santinelli¹, Sabrina Sayra Reis Duarte¹, Erika Bennaia Ribeiro dos Reis¹
Graduandas do curso de Bioquímica (UFSJ-CCO)
Graduanda do curso de Farmácia (UFSJ-CCO)
v.3, n.9, 2025
Setembro de 2025
Em 2010, Donald Ingber e Dan Huh, dois pesquisadores do Wyss Institute, da Universidade de Harvard, criaram o que parecia impossível: um microchip feito de silicone capaz de reproduzir as funções do pulmão humano. Esse dispositivo transparente, chamado de lung-on-a-chip (ou “pulmão em um chip”, em tradução livre) apresentava o tamanho de uma borracha escolar e continha células vivas do pulmão humano e dos vasos sanguíneos. A estrutura do lung-on-a-chip foi projetada em dois canais separados por uma membrana porosa e flexível, onde as células foram cultivadas. Em um canal o ar passa, enquanto no outro canal, flui um líquido que imita o sangue: reproduzindo o contato e as trocas ar-sangue que ocorrem no pulmão real. Desta forma, foi modelado com precisão o funcionamento do sistema respiratório em um microchip, sendo possível simular a entrada de ar, trocas gasosas e resposta imune (visando a defesa contra infecções, por exemplo) [1].
O desenvolvimento do lung-on-a-chip [2] rendeu aos pesquisadores responsáveis e ao instituto bastante reconhecimento [3], especialmente por impulsionar o uso da microfluídica — ciência que controla o fluxo de líquidos em canais muito pequenos, microscópicos — e da microarquitetura 3D — forma tridimensional em miniatura que organiza células para simular tecidos humanos — [4] dentro da biologia [5]. Desde então, muitos outros sistemas fisiológicos foram modelados em microchips, chamados de forma geral de organ-on-a-chip (“órgão em um chip”) (Figura 1) [6], como por exemplo: heart-on-a-chip [7], gut-on-a-chip [8], liver-on-a-chip [9], brain-on-a-chip [10], uterus-on-a-chip [11], e cornea-on-a-chip [12] (respectivamente: coração, intestino, fígado, cérebro, útero e córnea em um chip).

Figura 1: Organ-on-a-chip: microchip que simula, em miniatura, funções de órgãos humanos.
Fonte: National Center for Advancing Translational Sciences, licenciada sob CC BY 2.0 (https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/).
Há ainda sistemas mais avançados e ambiciosos que integram múltiplos órgãos em um único chip, chamados de multiorgan-on-a-chip (“múltiplos órgãos em um chip”) [13] ou até mesmo body-on-a-chip (“corpo em um chip”) [14], capazes de reproduzir a comunicação entre diferentes tecidos, simulando com mais precisão o metabolismo e os efeitos sistêmicos de medicamentos [15]. O estudo detalhado dessa dinâmica permitiu expandir o entendimento sobre sistemas farmacológicos (estudando interações entre medicamentos e o corpo humano) [16], análises de toxicidade [17], metabolismo de substâncias [18], avaliação de eficácia [19], além de ajudar a entender melhor doenças complexas, como câncer [20] e infecções respiratórias [21]. Também possibilitou investigar como atuam barreiras biológicas do corpo [22], como a que protege o cérebro [23], tudo isso sem a necessidade de recorrer a modelos vivos (as ditas cobaias, por exemplo) [24], proporcionando uma alternativa mais ética e menos invasiva ao uso de animais em experimentos científicos.
Apesar de os organ-on-a-chip (Figura 2) terem demonstrado ser uma alternativa revolucionária e inovadora, esses sistemas ainda enfrentam desafios significativos [25]. Eles exigem procedimentos padronizados complexos e apresentam limitações quanto à incorporação de células do sistema imune: o que dificulta a reprodução completa de algumas respostas biológicas [26]. São também limitações relevantes o fato de demandarem equipamentos sofisticados e possuírem custos elevados [27], o que restringe sua aplicação a laboratórios especializados e dificulta o acesso em regiões com menor infraestrutura laboratorial. A expectativa é que essas barreiras sejam superadas com os avanços contínuos na bioengenharia. O aperfeiçoamento desses microchips permitirá maior fidelidade na reprodução dos sistemas biológicos [28], contribuindo para potencialmente reduzir o uso de animais em pesquisa e melhorar a aplicação de células humanas em modelos mais representativos, mais fiéis à realidade. Além disso, podem também auxiliar no desenvolvimento de tratamentos personalizados baseados em perfis biológicos (características moleculares, genéticas e fisiológicas específicas de cada indivíduo) de pacientes [29].

Figura 2: Brain-on-a-chip: camadas internas simulam neurônios, vasos e barreiras do cérebro em escala microscópica.
Fonte: National Center for Advancing Translational Sciences, licenciada sob CC BY 2.0 (https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/)
Portanto, os organ-on-a-chip oferecem uma plataforma visionária e minuciosa da fisiologia humana (estudando-se o funcionamento do organismo), sendo um novo caminho para as terapias personalizadas, com benefícios éticos e científicos significativos para o futuro da medicina. Essa tecnologia pode permitir a simulação precisa de doenças, acelerar a descoberta de medicamentos, e, com o avanço da área, reduzir custos e riscos dos testes em humanos e animais. A integração dos sistemas de organ-on-a-chip com os avanços em inteligência artificial [30], biologia sintética [31] e medicina personalizada tem o potencial para transformar a pesquisa biomédica e a prática clínica, trazendo terapias mais eficazes, aceleradas e seguras.
Referências Bibliográficas
[1] Dougherty E. Living, breathing human lung on a chip: a potential drug-testing alternative. Harvard Medical School News. Disponível através do link: https://hms.harvard.edu/news/living-breathing-human-lung-chip. Acesso em: 07 set. 2025.
[2] Huh D et al. Reconstituting organ-level lung functions on a chip. Science. v. 328, n. 5986, p. 1662–1668, 2010.
[3] Wyss Institute. 2015. Human organs-on-chips named design of the Year 2015. Disponível através do link: https://wyss.harvard.edu/news/human-organs-on-chips-named-design-of-the-year-2015. Acesso em: 07 set. 2025.
[4] Mata A et al. A three dimensional scaffold with precise micro-architecture and surface micro-textures. Biomaterials. v. 30, n. 27, p. 4610–4617, 2009.
[5] Frey N et al. Microfluidics for understanding model organisms. Nature Communications. v. 13, n. 1, p. 3195, 2022.
[6] Mosig AS. Organ-on-chip models: new opportunities for biomedical research. Future Science OA. v. 3, n. 2, p. FSO130, 2017.
[7] Liu B et al. Heart-on-a-chip: a revolutionary organ-on-chip platform for cardiovascular disease modeling. Journal of Translational Medicine. v. 23, n. 1, p. 132, 2025.
[8] Valiei A et al. Gut-on-a-chip models for dissecting the gut microbiology and physiology. APL Bioengineering. v. 7, n. 1, p. 011502, 2023.
[9] Qiu L et al. Recent advances in liver-on-chips: design, fabrication, and applications. Smart Medicine. v. 2, n. 1, p. e20220010, 2023.
[10] Rodrigues RO et al. Brain-on-a-chip: an emerging platform for studying the nanotechnology-biology interface for neurodegenerative disorders. Journal of Nanobiotechnology. v. 22, n. 1, p. 573, 2024.
[11] Li W-X et al. Artificial uterus on a microfluidic chip. Chinese Journal of Analytical Chemistry. v. 41, n. 4, p. 467–472, 2013.
[12] Yu Z et al. A human cornea-on-a-chip for the study of epithelial wound healing by extracellular vesicles. iScience. v. 25, n. 5, p. 104200, 2022.
[13] Picollet-D’Hahan N et al. Multiorgan-on-a-chip: a systemic approach to model and decipher inter-organ communication. Trends in Biotechnology. v. 39, n. 8, p. 788–810, 2021.
[14] Sung JH et al. Recent advances in body-on-a-chip systems. Analytical Chemistry. v. 91, n. 1, p. 330–351, 2019.
[15] Vasconez Martinez MG et al. An update on microfluidic multi-organ-on-a-chip systems for reproducing drug pharmacokinetics: the current state-of-the-art. Expert Opinion on Drug Metabolism & Toxicology. v. 20, n. 6, p. 459–471, 2024.
[16] Wang Y et al. Emerging trends in organ-on-a-chip systems for drug screening. Acta Pharmaceutica Sinica B. v. 13, n. 6, p. 2483–2509, 2023.
[17] Cong Y et al. Drug toxicity evaluation based on organ-on-a-chip technology: a review. Micromachines. v. 11, n. 4, p. 381, 2020.
[18] Shroff T et al. Studying metabolism with multi-organ chips: new tools for disease modelling, pharmacokinetics and pharmacodynamics. Open Biology. v. 12, n. 3, p. 210333, 2022.
[19] Quan Q et al. Analysis of drug efficacy for inflammatory skin on an organ-chip system. Frontiers in Bioengineering and Biotechnology. v. 10, p. 939629, 2022.
[20] Avula LR et al. How organ-on-a-chip is advancing cancer research and oncology - a cancer hallmarks’ perspective. Frontiers in Lab on a Chip Technologies. v. 3, p. 1487377, 2024.
[21] Koceva H et al. Deciphering respiratory viral infections by harnessing organ-on-chip technology to explore the gut-lung axis. Open Biology. v. 15, n. 3, p. 240231, 2025.
[22] Caragnano G et al. Biological barrier models-on-chips: a novel tool for disease research and drug discovery. Biosensors. v. 15, n. 6, p. 338, 2025.
[23] Kawakita S et al. Organ-on-A-chip models of the blood-brain barrier: recent advances and future prospects. Small. v. 18, n. 39, p. e2201401, 2022.
[24] Wysoczański B et al. Organ-on-a-chip models-new possibilities in experimental science and disease modeling. Biomolecules. v. 14, n. 12, p. 1569, 2024.
[25] Srivastava S K et al. Organ-on-chip technology: opportunities and challenges. Biotechnology Notes. v. 5, p. 8–12, 2024.
[26] Kumar D et al. Advances and challenges in organ-on-chip technology: toward mimicking human physiology and disease in vitro. Medical & Biological Engineering & Computing. v. 62, n. 7, p. 1925–1957, 2024.
[27] United States Government Accountability Office. 2025. Technology assessment: human organ-on-a-chip: technologies offer benefits over animal testing but challenges limit wider adoption. Disponível através do link: https://www.gao.gov/assets/gao-25-107335.pdf. Acesso em: 07 set. 2025.
[28] Deng Z-M et al. Organ-on-a-chip: future of female reproductive pathophysiological models. Journal of Nanobiotechnology. v. 22, n. 1, p. 455, 2024.
[29] Koyilot MC et al. Breakthroughs and applications of organ-on-a-chip technology. Cells. v. 11, n. 11, p. 1828, 2022.
[30] Deng S et al. Organ-on-a-chip meets artificial intelligence in drug evaluation. Theranostics. v. 13, n. 13, p. 4526–4558, 2023.
[31] Damiati L et al. Developments in the use of microfluidics in synthetic biology. Academic Press. p. 423–435, 2022.