top of page
Cannabis.png

Cannabis sativa L.: aplicações medicinais

Lívia Corrêa Ferreira¹, Bárbara Laís Nascimento Silva¹, Bruna Peres Carvallho¹, Anne Aparecida Coelho Costa¹, Driely Rodrigues¹, Gabriel Teodoro Sirimarco², Letícia Gabriela Rocha Cunha³

¹ Graduandas do curso de Bioquímica (UFSJ-CCO)

² Graduando do curso de Medicina (UFSJ-CCO)

³ Graduanda do curso de Farmácia (UFSJ-CCO)

v.3, n.9, 2025

Setembro de 2025

A Cannabis sativa L. é uma planta pertencente à família das Canabiáceas. Embora seja popularmente associada a sua forma de consumo recreativo, a maconha, ela vem sendo amplamente estudada e aplicada para fins medicinais. A espécie vegetal possui mais de 500 compostos naturais já identificados, dos quais mais de 100 são do grupo dos canabinóides (compostos químicos que podem influenciar na regulação, por exemplo, de apetite, sono, humor e dor nos seres humanos). Entre eles estão o 9-tetrahidrocanabinol (9-THC), que apresenta propriedades psicoativas e analgésicas, e o canabidiol (CBD), que possui ação anti-inflamatória, ansiolítica (reduzindo a ansiedade) e neuroprotetora (que protege as células nervosas de morte e/ou danos). Dependendo da forma de cultivo e da variedade da planta, é possível obter-se dela mais THC ou mais CBD, ditando a aplicação final [1]. 

Cannabis.png

Figura 1: Cultivo controlado da Cannabis sativa L

Fonte: Cannabis&Saúde, 2020.

Esses canabinóides atuam sobre um sistema chamado endocanabinóide, responsável por regular o equilíbrio do organismo, ou seja, a homeostase. Este sistema é composto por receptores ditos CB1, presentes principalmente no sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal), e CB2, predominantes no sistema imune (que trabalha na proteção do organismo); além dos receptores há também os endocanabinóides (que são as moléculas produzidas pelo organismo que se ligam aos receptores levando mensagens), como a anandamida e 2-araquidonoil glicerol (2-AG). Estudos clínicos mostram que a ativação desse sistema, seja pelos endocanabinoides ou canabinóides da cannabis, tem vários efeitos, como diminuição da dor e da ansiedade, relaxamento muscular, modulação do sistema imune e do sono e muitos outros [2].

 

Devido a esses efeitos, a planta tem sido cada vez mais estudada para tratamento de doenças. O Mevatyl®, por exemplo, foi o primeiro medicamento à base de cannabis produzido e comercializado no Brasil. Ele é utilizado para o tratamento da espasticidade (rigidez muscular e contrações musculares involuntárias), um sintoma comum da esclerose múltipla (uma doença neurológica crônica caracterizada pela destruição da bainha de mielina - envoltório dos neurônios - o que leva a problemas na transmissão de sinais elétricos). A perda de envoltório dos neurônios nos pacientes causa um “defeito” na transmissão elétrica dos neurônios motores (responsáveis por auxiliar no movimento dos músculos), o que deixa os músculos rígidos, sempre contraídos [3]. 

 

O Mevatyl®, composto por THC na concentração de 27 mg/mL, e CBD a 25 mg/mL, atua nos receptores CB1 do sistema nervoso, diminuindo a rigidez muscular e melhorando a função motora (facilitando o movimento). O THC tem efeito analgésico e relaxante muscular, já o CBD ajuda a modular os efeitos psicoativos (modulando a função cerebral) do THC e a espasticidade. Os possíveis efeitos adversos podem ser tontura, fadiga, sonolência, alterações de apetite, boca seca, náuseas, distúrbios de humor (euforia, depressão), problemas de memória ou coordenação [4].

 

Outra aplicação da cannabis é para o tratamento de sintomas do Transtorno do Espectro Autista (TEA), popularmente conhecido como autismo. Vários estudos clínicos têm sido feitos para testar o potencial terapêutico de compostos canabinóides, em especial o CBD, no manejo dos principais sintomas, como Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), distúrbios do sono e comportamentais e convulsões. 

 

Em um estudo de caso conduzido por Ma, Platnick e Platnick (2023), um menino de 9 anos com TEA não verbal e sofrendo também de diabetes tipo 1 e asma, foi tratado com um óleo contendo CBD (20 mg/mL) e uma baixa dose de THC (1 mg/mL). Os resultados mostraram melhoras notáveis em aspectos como sono, comportamento (antes agressivo e autolesivo), interação social e desempenho escolar, além de uma melhoria geral na qualidade de vida do paciente e de sua família. O estudo também reforçou a segurança do tratamento, com poucos efeitos adversos e uma faixa de dosagem eficaz entre 1,8 e 6,5 mg/kg/dia [5].

 

Além disso, a cannabis também tem sido estudada e utilizada para o tratamento da dor crônica (dor persistente e recorrente), que afeta a qualidade de vida dos pacientes. O tratamento tradicional é feito com opióides (medicamentos obtidos de plantas conhecidas popularmente como papoula), mas eles têm algumas limitações, como geração de dependência, indução de tolerância (o corpo se adapta ao medicamento, exigindo-se doses maiores para obter o mesmo efeito) e efeitos adversos graves. Uma terapia alternativa, então, é com canabinóides. O CBD atua modulando o sistema endocanabinóide através do bloqueio da degradação da anandamida, aumentando seu nível no sangue; tal substância tem efeitos analgésicos, anti-inflamatórios e neuromoduladores. O CBD pode ainda atuar em receptores de capsaicina, serotonina e no GPR55 (todos envolvidos no mecanismo da dor e/ou inflamação) oferecendo alívio da dor e combate à inflamação [6, 7].

 

Outra aplicação dos canabinóides é para o tratamento da ansiedade e depressão, uma vez que o CBD gera o aumento da anandamida, promovendo a sensação de bem-estar. Interage com receptores de serotonina, causando efeitos ansiolíticos e antidepressivos, reduz a presença de moléculas sinalizadoras que estimulam a inflamação e pode atuar de maneira positiva sobre o hipocampo, área do cérebro crítica para regulação do humor [8]. 

 

Em um estudo publicado por Rapin e colaboradores (2021) foi investigado os efeitos do CBD em 279 pacientes canadenses com sintomas de ansiedade, depressão e dor crônica. Eles observaram que o uso de CBD, administrado principalmente na forma de óleos orais em doses médias de 11,5 mg/dia, promoveu uma melhora significativa na ansiedade e depressão após três meses de tratamento, especialmente em pacientes com sintomas moderados a graves. Os autores propõem que pacientes com sintomas moderados a graves possuem uma maior deficiência de endocanabinóide, tornando-os mais responsivos à modulação promovida pelo CBD [9].

 

Doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson também estão no foco das pesquisas com cannabis medicinal. No Alzheimer, o CBD parece atuar reduzindo a inflamação e o estresse oxidativo (quando os antioxidantes se encontram menos presentes que substâncias nocivas ditas radicais livres) cerebral, além de proteger os neurônios da degeneração. Já no Parkinson, os canabinoides podem ajudar a reduzir tremores, rigidez muscular, distúrbios do sono e até sintomas psiquiátricos associados à doença [10].

 

Portanto, os estudos evidenciam que os canabinóides apresentam um significativo potencial terapêutico em diversas áreas da medicina, oferecendo novas perspectivas para o tratamento de condições complexas. No entanto, os preconceitos ainda associados a essas substâncias representam uma barreira crucial, limitando a expansão de pesquisas clínicas e amostras populacionais. Embora os benefícios sejam promissores, é fundamental considerar os efeitos adversos e os riscos de dependência, especialmente em relação ao THC. Diante disso, a utilização de terapias à base de canabinoides deve ser rigorosamente monitorada, com acompanhamento médico especializado, a fim de se garantir segurança e eficácia aos pacientes.

Referências Bibliográficas

[1] Xie Z et al. Cannabis sativa: origin and history, glandular trichome development, and cannabinoid biosynthesis. Hortic Res., v.10, n. 9, p.150, 2023. Disponível através do link: https://doi.org/10.1093/hr/uhad150. Acesso em: 07 set. 2025.

[2] Francischetti EA, Abreu VG. O sistema endocanabinóide: nova perspectiva no controle de fatores de risco cardiometabólico. Arq Bras Cardiol., v. 87, n. 4, p. 548–558, 2006. Disponível através do link: https://doi.org/10.1590/S0066-782X2006001700023. Acesso em: 07 set. 2025.

[3] BRASIL - Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC. Dossiê: Mevatyl® (tetrahidrocanabinol + canabidiol) para espasticidade moderada a grave em esclerose múltipla. Brasília, 2020. Disponível através do link: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/consultas/dossie/2020/20200914_mevatyl_dossie_de_valor_final_cp49.pdf. Acesso em: 07 set. 2025.

[4] IPSEN Farmacêutica. Bula do medicamento Mevatyl. Disponível através do link: https://img.drogasil.com.br/raiadrogasil_bula/Mevatyl-Ipsen.pdf. Acesso em: 07 set. 2025.

[5] Vazquez EM et al. Medical Cannabis for Intractable Epilepsy in Childhood: A Case Report With Long-Term Follow-Up. Cureus, v. 14, n. 9), p. 1-14, 2022. Disponível através do link: https://assets.cureus.com/uploads/case_report/pdf/109585/20221003-8894-1icbngv.pdf. Acesso em: 07 set. 2025.

[6] Vadivelu N et al. The Opioid Crisis: a Comprehensive Overview. Curr Pain Headache Rep., v. 22, p. 16, 2018. Disponível através do link: https://doi.org/10.1007/s11916-018-0670-z. Acesso em: 07 set. 2025.

[7] Mlost J et al. Cannabidiol for Pain Treatment: Focus on Pharmacology and Mechanism of Action. Int J Mol Sci., v. 21, p. 8870, 2020. Disponível através do link: https://doi.org/10.3390/ijms21228870. Acesso em: 07 set. 2025.

[8] Blessing EM et al. Potential of Cannabidiol in the Treatment of Anxiety Disorders: A Review. Neurotherapeutics. v. 12, n. 4, p. 825–836, 2015. Disponível através do link: https://www.neurotherapeuticsjournal.org/article/S1878-7479(23)00814-0/fulltext. Acesso em: 07 set. 2025.

[9] Rapin L et al. Cannabidiol use and effectiveness: real-world evidence from a Canadian medical cannabis clinic. J Cannabis Res., v. 3, p. 19, 2021. Disponível através do link: https://doi.org/10.1186/s42238-021-00078-w. Acesso em: 07 set. 2025.

​​

[10] Pisani V et al. Cannabinoid–dopamine interactions in the physiology and pathophysiology of the basal ganglia. Br J Pharmacol., v. 164, n. 8, p. 1377‑1390, 2011. Disponível através do link: https://bpspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/bph.13215. Acesso em: 07 set. 2025.

MAIS INFORMAÇÕES

AUTOR CORPORATIVO DO "À LUZ DA CIÊNCIA"

Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ)
Rua Sebastião Gonçalves Coelho, 400
Chanadour | Divinópolis - MG
35501-296
  • Facebook
  • Instagram
  • Twitter
  • TikTok
bottom of page