
Vacina da COVID-19: Por Que a Velocidade Não Comprometeu a Qualidade
Bruna Santinelli¹, Melissa Gomes Santana², Erika Bennaia Ribeiro dos Reis¹ , Sabrina Sayra Reis Duarte¹, Larissa Cristiane Souza Prote¹, Maria Eduarda de Sousa Silva¹
¹ Graduandas do curso de Bioquímica (UFSJ-CCO)
² Graduandas do curso de Farmácia (UFSJ-CCO)
v.3, n.8 2025
Agosto de 2025
A pandemia causada pelo coronavírus teve início no Brasil em janeiro de 2020, trazendo grande repercussão política e científica para o país [1]. Tendo isso em vista, um dos questionamentos mais realizados foi que em curto intervalo de tempo (menos de um ano) as primeiras doses das vacinas começaram a ser aplicadas. Esse fato levou à desconfiança de parte da população.
Contudo, a viralização de publicações de redes sociais (sem embasamento científico e carregadas de sensacionalismo) que questionavam as “vacinas duvidosas” foi mais rápida e ampla que o espalhamento de notícias sobre os estudos científicos desenvolvidos em anos anteriores acerca de possíveis vírus causadores de pandemias; a lista destes vírus incluía o causador da Covid-19, chamado de SARS-CoV-2 [2].
De acordo com os estudos desenvolvidos pelo Professor Dr. Ralph Baric [3], o começo da pandemia de Covid-19 não foi o motivo para se iniciarem pesquisas com o SARS-CoV-2. Também não foi o primeiro contato da população com esse tipo de vírus, pois a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) já estavam sendo estudadas desde antes de 2020 [2,4]. Alguns exemplos de estudos anteriores envolvendo vírus semelhantes ao da pandemia incluem o coronavírus SARS-like identificado em morcegos-de-ferradura, o coronavírus responsável pela morte de 250 mil porcos na China em 2016, e o MERS-CoV que desde 2003 infectam camelos e criadores destes no Oriente Médio [5].
No ano de 2007 foi publicado um estudo epidemiológico justificando que consumo de animais silvestres com protocolos de limpeza e preparo questionáveis seria o estopim para surtos de doenças até então não classificadas como problema de saúde pública urgente. O SARS-CoV-2 encontrava-se listado. Apesar de o artigo ter sido escrito se baseando em consumo de morcegos em mercados asiáticos, o hábito de consumo de carne silvestre e os maus protocolos de higienização de criadouros acontecem em diversas partes do mundo. No Brasil, por exemplo, sofre-se com a transmissão de doenças por causa da manipulação e do consumo indevidos de carne de tatu [6].
Aparições anteriores das infecções por SARS e MERS, motivaram ao longo dos anos o desenvolvimento de pesquisas sobre esses vírus: da mesma família do SARS-CoV-2; havendo portanto resultados preliminares sobre vacinas, favorecendo que com adaptações também fosse possível proteção contra novos vírus similares [4].
Outro ponto que merece destaque é que todas as vacinas aprovadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) passam por todas as fases obrigatórias de testes: primeiramente em laboratório, e posteriormente por “ensaios clínicos” (nos quais cada fase seguinte depende do sucesso da anterior para ocorrer). As fases de ensaios das vacinas (Figura 1) são [7]:

Figura 1: Abertura da Campanha Nacional de Vacinação contra a Gripe.
Fonte: Fonte: Governo do Estado de São Paulo, licenciada sob CC-BY-2.0 (https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/)
Pré-clínica: testes realizados em animais para testar a segurança da vacina. Testes feitos com protocolos de pesquisa muito bem descritos e submissão a conselhos de ética de uso de animais em pesquisa. São criteriosamente escolhidos os organismos-modelos para os testes [8].
Ensaio clínico 1: envolve pequenos grupos de pessoas saudáveis, que são voluntários. Todas as reações adversas, a segurança e a capacidade de criar imunização são analisadas.
Ensaio clínico 2: necessita de um maior número de pessoas, incluindo a população-alvo da vacina. Analisa-se segurança, dose, horários, modos de administração e a capacidade de imunização.
Ensaio clínico 3: a vacina é administrada em milhares de voluntários ao redor do mundo, em diferentes faixas etárias, e também de variados sexo, etnia e grupos sociais. Este tipo de estudo envolve duplo-cego e é importante, pois, dessa forma, nem os pesquisadores nem os voluntários sabem quais pessoas tomaram a vacina ou o placebo (preparação sem o efeito desejado). Isto garante a pesquisa sem interferências de respostas psicológicas que o voluntário pode criar.
Registro: após conseguir provar sua eficácia e segurança aos pacientes, no Brasil, ocorre o registro da vacina na ANVISA. Esta então se torna disponível para comercialização e distribuição no país.
Como os casos de Covid-19 se alastraram de forma rápida e preocupante causando a pandemia, considera-se que um fator responsável por acelerar o desenvolvimento das vacinas foi o investimento financeiro massivo [1], que só foi ampliado pela crise de saúde pública mundial. É importante ressaltar que no Brasil, até mesmo as pesquisas com SARS-CoV-2 tiveram seu financiamento reduzido em setembro de 2019, seis meses antes da pandemia se tornar um problema grave.
Em resumo, a pandemia de Covid-19 teve rápida resposta científica, principalmente no desenvolvimento das vacinas, graças a resultados anteriores de estudos com vírus respiratórios, como SARS e MERS [4]. A desconfiança da população, a desinformação e o propagar de teorias sem respaldo científico desconsideraram este longo histórico de pesquisas. Os protocolos de desenvolvimento de vacinas são rigorosos nas fases de testes, o que viabilizou o acelerar no processo de produção sem ignorar a segurança e a eficácia que devem ser garantidas à população [7]. Além disso, os estudos sobre a origem do SARS-CoV-2 em animais e sua transmissão a humanos, e a identificação de animais intermediários para fortalecer a vigilância futura, reforçam a importância de se monitorar práticas de consumo de animais silvestres para prevenir que se vivencie outras pandemias causadas por vírus semelhantes ao coronavírus [9].
Referências Bibliográficas
[1] Senhoras EM. O campo de poder das vacinas na pandemia da Covid-19. Boletim de conjuntura (BOCA), v. 6, n. 18, p. 110-121, 2021.
[2] Schmidt C. 2020. For Experts Who Study Coronaviruses, a Grim Vindication. Disponível através do link: https://undark.org/2020/06/08/for-experts-who-study-coronaviruses-a-grim-vindication/. Acesso em: 03 ago. 2025.
[3] Baric RS. 2016. Curriculum Vitae. Disponível através do link: https://sph.unc.edu/wp-content/uploads/sites/112/2016/01/Baric-Ralph-S.pdf. Acesso em: 03 ago. 2025.
[4] Butantan. 2023. A velocidade com que foi criada a vacina da Covid-19 é motivo de preocupação. Disponível através do link: https://butantan.gov.br/covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-noticias/a-velocidade-com-que-foi-criada-a-vacina-da-covid-19-e-motivo-de-preocupacao-especialista-do-butantan-responde. Acesso em: 03 ago. 2025.
[5] Mohd HA et al. 2016. Middle East Respiratory Syndrome Coronavirus (MERS-CoV) origin and animal reservoir. Disponível através do link: https://virologyj.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12985-016-0544-0. Acesso em: 03 ago. 2025.
[6] Dall’ara J. 2022. Manipulação da carne de tatu representa riscos para a saúde humana. Disponível através do link: https://jornal.usp.br/atualidades/manipulacao-da-carne-de-tatu-representa-riscos-para-a-saude-humana/. Acesso em: 03 ago. 2025.
[7] BRASIL. 2021. Anvisa concede primeiro registro definitivo para vacina contra a Covid-19 nas Américas. Disponível através do link: https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2021/02/anvisa-concede-primeiro-registro-definitivo-para-vacina-contra-a-covid-19-nas-americas. Acesso em: 03 ago. 2025.
[8] Muñoz-Fontela C et al. 2020. Animal models for COVID-19. Disponível através do link: https://www.nature.com/articles/s41586-020-2787-6. Acesso em: 03 ago. 2025.
[9] Worobey M et al. 2022. The Huanan Seafood Wholesale Market in Wuhan was the early epicenter of the COVID-19 pandemic. Disponível através do link: https://www.science.org/doi/10.1126/science.abp8715. Acesso em: 03 ago. 2025.