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Entrevista:
Márcia Luzia Rizzatto

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MÁRCIA LUZIA RIZZATTO

De criança curiosa a pesquisadora, Márcia Luzia Rizzatto uniu sua paixão pelas ciências exatas à graduação em Engenharia de Alimentos pela UFV, com mestrado e doutorado pela Unicamp. Atua em microbiologia industrial, fermentação, engenharia de processos e é especialista em Biogás. É Diretora de Prospecção da EMBRAPII, membro da ABEA e docente no IFSP Matão-SP, onde coordenou cursos de graduação.

Melissa Gomes Santana¹, Larissa Cristiane Souza Prote², Bruna Santinelli², Maria Eduarda de Sousa Silva², Sabrina Sayra Reis Duarte², Erika Bennaia Ribeiro dos Reis² 

¹Graduanda do curso de Farmácia (UFSJ CCO)

²Graduandas do curso de Bioquímica (UFSJ/CCO)

v.3, n.8, 2025
Agosto de 2025

Quando percebeu que possuía interesse por ciência?

Sempre fui uma criança curiosa e meu pai sempre estimulou-me bastante nisso, nesse desejo de entender como as coisas funcionam. Desde cedo, no colégio, eu já demonstrava esse interesse. Quando entrei na universidade, na década de 80, era muito difícil trabalhar com pesquisa pois haviam poucas bolsas, poucos professores e era tudo muito disputado. Logo, não tive a chance de fazer Iniciação Científica ou trabalhar com pesquisa nessa época. No entanto, eu tinha uma bolsa de alimentação, que exigia oito horas semanais de trabalho, então escolhi trabalhar no laticínio da Universidade de Viçosa, onde se processavam queijo, leite e derivados. Acabei participando e acompanhando alguns projetos ali. A ciência sempre esteve presente na minha vida pois eu sempre fui movida pela curiosidade, pelo conhecimento e pelo desejo de aprender e entender como as coisas funcionam.

Teve dúvidas ao realizar a escolha do curso de graduação?

Eu tive dúvidas no começo. Na década de 80 a gente tinha poucas escolhas, muito menos do que hoje, e poucas opções de universidade. No início, eu queria muito fazer Medicina e futuramente estudar sobre doenças. Mas isso mudou quando realizaram uma entrevista de direcionamento profissional no meu colégio e, na época, eu e o meu grupo entrevistamos uma médica. E, ao conversar com ela, percebi que Medicina não seria a minha praia, que sendo médica eu realmente não iria conseguir chegar onde eu queria. Então, comecei a pesquisar, porque eu era muito da área de exatas, participava sempre de olimpíadas de matemática. Pensei, então, que a minha praia seria a área de Engenharia. Pesquisei melhor e estava iniciando o curso Engenharia de Alimentos. Eu gostei muito da proposta, porque seria algo que me permitiria trabalhar com ciência, com a ciência dos alimentos, e também envolvia tecnologia e engenharia. Foi o curso que me apaixonou, porque eu poderia usar matemática e física, que eu amava e tinha certa facilidade, e aplicar em algo que eu amava muito, que era a parte de alimentos. Então eu não tive dificuldade ao escolher o curso de graduação. Logo no início, já escolhi Engenharia de Alimentos e prestei vestibular apenas para este curso.

O que considera ter sido decisivo em sua escolha por seguir a carreira científica?

Foi o fato de eu não ter tido experiência com Iniciação Científica durante a graduação. Depois, o que acabou me levando para esse caminho foi a vida. No final da graduação, engravidei da minha primeira filha, me formei e ela nasceu 15 dias depois. Então eu tinha um bebê pequeno e era recém-formada. Por isso, optei por cuidar dela, porque era muito pequenininha. No começo, eu a priorizei. Quando ela tinha seis meses, engravidei de novo. Quando elas tinham quatro e três anos, pensei: “Não sou mais recém-formada, estou fora do mercado, preciso voltar”. Procurei a Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São José do Rio Preto-SP, onde eu estava morando, conversei com professores que me convidaram para fazer uma especialização. Comecei a desenvolver um projeto junto com a Embrapa, sobre a secagem de uvas, produção de uva-passa, uvas que não eram resíduo mas eram uvas de refugo (que apresentam defeitos). Fiz essa especialização sem bolsa, sem recurso financeiro, sem nada. Foi aí que encontrei a oportunidade de entrar na área de pesquisa. Na época, o mestrado só era possível na Unicamp e a minha área de interesse era Engenharia. Prestei prova para concorrer ao mestrado; haviam 22 vagas e 69 candidatos disputando-as, e eu passei! Acho que fiquei entre os últimos dez colocados, mas fiquei muito feliz, porque estava fora do mercado e seria algo relevante para a minha carreira. Entrei e pensei: “Agora sim, vou fazer o que eu escolhi mesmo”. E me apaixonei pela área acadêmica, pela área científica. Fiz mestrado, doutorado, com duas filhas pequenas, em outra cidade, com casa, marido, papagaio, cachorro… Então, foi a paixão pela ciência que me motivou a enfrentar todas essas barreiras.

Por qual razão optou por dedicar-se à área de estudos na qual realiza suas pesquisas?

Bom, a minha área de pesquisa é microbiologia industrial, fermentação e engenharia bioquímica. O que me motivou foi a própria área, eu já era apaixonada pela área de microbiologia de alimentos e muito apaixonada pelos processos de fermentações. Eu tinha um professor muito bom na época, na disciplina de engenharia bioquímica, e gostava muito das aulas dele. Eram conteúdos cativantes, e então falei: “Eu vou para a área de fermentação, de microbiologia, é onde eu consigo somar engenharia com ciência!”, justamente onde havia microbiologia, que é uma paixão minha até hoje.

Qual a principal motivação para seguir trabalhando com ciência no Brasil?

A minha motivação para continuar trabalhando com ciência no Brasil é a vontade de fazer as coisas acontecerem. Eu nunca fui muito de mimimi, talvez por isso que a engenharia tenha me dado esse impulso também. Não sou de sentar e ficar reclamando; trabalho com o que eu tenho. Algo que me entristece muito é a falta de incentivo do governo. Não vou dizer que me desmotiva, porque a palavra certa é tristeza. Fico triste com a falta de incentivo à educação como um todo e, na ciência, então, é ainda pior. Mas o que me motiva é justamente a vontade de fazer acontecer, independente de qualquer coisa. Eu olho para o Brasil e vejo um país maravilhoso, nós temos pesquisadores incríveis. E também sinto que é o nosso papel despertar isso na moçada de hoje, nos alunos, a ter essa vontade de pesquisar, instigar a curiosidade, mostrar que há muitos desafios, muita coisa para ser feita. Vocês só vão se motivar se vocês fizerem. Para a coisa acontecer, então, a gente tem que arregaçar as mangas e encarar, encarar de forma diferente. Pensar: “Qual o caminho que eu posso seguir?” Ao invés de ficar sentado reclamando, vou buscar soluções, encontrar caminhos para que a ciência aconteça. A gente precisa traçar, planejar, agir, fazer com que a ciência continue. Porque, se a gente senta e desanima, tudo para. E não podemos deixar isso acontecer, a gente não pode desanimar nunca, principalmente quando se trata de algo que faz o bem. O que me motiva é isso: garantir que a coisa continue acontecendo.

Qual a principal dificuldade que enfrenta trabalhando com ciência no Brasil?

A dificuldade é essa que eu falei: a falta de incentivo mesmo. Só que tem outra coisa também que dificulta muito, que é a falta de curiosidade, a falta de vontade das pessoas, daquele brilho no olho de ir para a ciência. Às vezes, a gente tem muita dificuldade em encontrar pessoas que realmente queiram estudar, que tenham curiosidade, que se desafiem a conhecer a ciência, a descobrir algo novo, algo inovador. Eu vejo que muitas universidades reclamam disso. Tem muita universidade devolvendo bolsas, às vezes de mestrado, para o CNPq ou outros órgãos, porque não encontram alguém que queira fazer mestrado ou entrar na pesquisa com vontade de verdade, não como última opção, tipo “não encontrei nada, então eu vou pesquisar”. Acho que essa é uma dificuldade real: encontrar pessoas que realmente queiram mesmo fazer ciência. E, junto com isso, o incentivo para que a gente entenda que pesquisa é essencial. A gente precisa de pesquisa no Brasil, porque as coisas só vão inovar e acontecer se houver pesquisa.

O que gostaria de dizer para quem deseja seguir a carreira científica?

Olha, o que eu teria a dizer para quem quer seguir a carreira científica é que tem que gostar de verdade da área. Tem que gostar de desafio, ter garra para fazer a coisa acontecer, ter brilho no olho, tem que ter atitude. Nada é fácil, mas é fascinante, e se você tem vontade de fazer acontecer, venha para a área científica. Para mim, como pessoa, foi extremamente realizador. Eu faria o curso de Engenharia de Alimentos novamente, faria mestrado, faria doutorado, e seguiria a parte de pesquisa, faria tudo de novo. Por quê? Porque eu tenho vontade e gosto. Como já falei para vocês, eu gosto de desafio, gosto de conhecer o novo e gosto de ver as coisas acontecerem. Então, se você quer entrar nessa carreira científica, vem! É fascinante, é maravilhoso, mas tem que querer e tem que gostar. 

Qual é a mentira mais absurda que você escutou sobre sua área de atuação e que você acha que todo mundo deveria saber sobre?

Ultimamente, tem se discutido muito sobre alimentos ultraprocessados. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) inclusive, chamou vários profissionais da saúde para debater o tema e construir uma cartilha a respeito, mas não convidou nenhum profissional da área de alimentos para contribuir com esse trabalho. Na minha área, não usamos o termo “ultraprocessados”; chamamos de “alimentos industrializados”. E considero inadequada a acusação de que esses alimentos sejam os causadores exclusivos de doenças, porque elas têm origem em diversos fatores. Afirmar isso é ignorar a genética da pessoa, se ela pratica atividade física ou não, além das próprias condições gerais de saúde. As doenças têm causas multifatoriais. Não é a industrialização de um alimentos que o torna um vilão, até porque temos uma população que consome em grande escala alimentos que precisam estar estáveis nas prateleiras dos supermercados. Os aditivos também são muito criticados, mas seguimos leis que determinam quantidade permitida para cada produto, além de rigorosas regras de controle de qualidade para garantir a segurança dos consumidores. Outra questão são as fake news, como aquela sobre as caixinhas de leite que apresentam numeração e vários quadrados coloridos na parte inferior da embalagem. Já vi pessoas dizendo que isso indicaria que o leite vencido foi reembalado várias vezes, mas isso é impossível dentro desse processo. Esses códigos servem apenas para o controle de produção dentro da fábrica, e a tinta é uma marcação do próprio processo de impressão da embalagem.

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