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Eutanásia e o Direito a uma Morte Digna

Gabriela Vasconcelos Britto¹, Thainara Marques Morais de Oliveira², Alexandra Rodrigues Costa², Isabela Lorena dos Anjos Silva², Izabela Oliveira Carvalho², Letícia França Rocha², Gabriela Panhoca Rodrigues¹, Maria Cláudia Sanguinete Santos¹


¹ Graduandas em Medicina, (UFSJ)

² Graduandas em Bioquímica, (UFSJ)

v.3, n.6, 2025

Junho de 2025

Em um mundo em que tanto se discute sobre liberdade de escolhas, é frequente a discussão sobre como um indivíduo deseja morrer. Nesse sentido, muitos abordam o conceito de eutanásia, comumente de maneira inadequada, já que o assunto configura um grande tabu na sociedade brasileira. A palavra, originada do grego, vem de duas expressões autoexplicativas: eu (bem) e thanasía (morte), o que nos remete a uma "morte boa", ou seja, sem sofrimento [2]. Diante disso, vários países legalizaram a prática, como Espanha, Portugal, Colômbia e alguns estados dos Estados Unidos [1].

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Figura 1: Manifestação favorável à eutanásia na Itália.

Fonte: https://www.flickr.com/photos/62585343@N00/9736499628/in/photostream/

Sendo assim, o que é a eutanásia, afinal? De modo geral, é a morte medicamente assistida, proporcionada por medicamentos legalmente autorizados para este fim, direcionada a pessoas portadoras de condições incuráveis, incapacitantes e, muitas vezes, degradantes, como alguns tipos de câncer, doenças neurológicas, doenças cardíacas avançadas, entre outras. Ainda assim, diferencia-se do suicídio assistido, que corresponde à morte autoprovocada, porém também assistida por uma equipe de profissionais da saúde [1].

No Brasil, ambas as práticas são proibidas, sendo classificadas como homicídio, visto que o artigo 121 do Código Penal Brasileiro [2] considera como homicídio o ato de provocar a morte de outra pessoa, mesmo com consentimento. Em uma pesquisa conduzida pelo Datafolha em 2007, cerca de 57% dos brasileiros declararam ser favoráveis à legalização da eutanásia, enquanto 36% se mostraram contrários [3].  A ilegalidade no Brasil leva a busca pela prática no exterior, mas não existem dados divulgados sobre o número de brasileiros que recorrem a alternativa em outros países. Outra modalidade também passível de responsabilização penal é a distanásia, que ocorre quando o profissional da saúde intencionalmente oferta ou mantém condutas invasivas ou desnecessárias, que contrariam a vontade do paciente terminal ou de seus representantes, prolongando a vida e, consequentemente, o sofrimento do indivíduo [4]. Surge, então, o principal questionamento desse texto: é possível morrer bem no Brasil?

Para chegarmos a uma resposta, precisamos entender um conceito ainda menos discutido: a ortotanásia. Essa expressão diz respeito à prática de se evitar o exercício de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários em pacientes portadores de condições terminais [4], garantindo que a morte ocorra em um curso natural, sem que a partida seja antecipada, nem dolorosamente adiada. É nesse contexto que recorremos aos Cuidados Paliativos, tão injustamente temidos por muitas pessoas.

Os Cuidados Paliativos representam uma abordagem multidisciplinar (envolvendo profissionais de diferentes especialidades) levando qualidade de vida a pacientes e familiares de pacientes acometidos por doenças que ameaçam a vida, sejam elas agudas (de evolução rápida e início repentino) ou crônicas (de duração prolongada), possíveis ou não de serem curadas. Nesse sentido, os Cuidados Paliativos entendem a morte como um processo natural, que não deve ser atrasado nem adiantado, de modo que, para garantir o máximo de qualidade ao restante de vida do paciente, sejam identificados e precocemente abordados os sintomas físicos, emocionais, espirituais e sociais associados ao processo de adoecimento [5]. Assim, o suporte ofertado deve ser pautado em práticas humanizadas, que respeitem os desejos do paciente e individualizem suas necessidades, permitindo-se o alívio do desconforto e evitando-se intervenções médicas nocivas e desnecessárias.

Em países onde a eutanásia é legalizada, como a Holanda, Bélgica e Canadá, existem critérios rigorosos para que a prática ocorra de forma segura e ética. Na Holanda, a eutanásia é permitida desde 2002 para pacientes sem quaisquer perspectivas de melhora. Por exemplo, um paciente diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) em estágio avançado, sem controle motor e com sofrimento físico intenso, pode solicitar a eutanásia desde que esteja consciente e o pedido seja voluntário, passando por avaliação médica [6]. Já na Bélgica, a legislação também autoriza a prática em casos de sofrimento físico ou psicológico, considerando que o paciente esteja bem informado sobre sua condição e sobre as alternativas disponíveis, como os Cuidados Paliativos [6]. Por outro lado, o Canadá legalizou a eutanásia em 2016 para adultos com plena capacidade mental, portadores de enfermidades irreversíveis e com sofrimento intolerável, com a exigência de avaliações rigorosas para aprovação [7].

Enquanto a eutanásia permanece ilegal no Brasil, os Cuidados Paliativos se apresentam como uma forma ética e humanizada para se alcançar uma boa morte. Além do cuidado multiprofissional, existem também instrumentos importantes como o Testamento Vital, um documento em que o paciente registra suas preferências sobre tratamentos futuros, garantindo assim que sua vontade seja respeitada mesmo em momentos em que não esteja capaz de decidir [8]. 

 

A legalização da eutanásia no Brasil levanta questões éticas relevantes. O princípio da autonomia discutido na bioética, defende que, desde que se tenha discernimento de escolha e capacidade, cada pessoa tem o direito de decidir sobre seu próprio corpo. Essa autonomia deve ser equilibrada com o princípio da beneficência, que determina que se deve agir para o bem do paciente, e da não-maleficência onde deve-se evitar causar qualquer tipo de dano ao paciente. Entretanto, criam-se alguns dilemas, principalmente em contextos em que o paciente já está em sofrimento psíquico, como casos de depressão profunda e ansiedade severa, ou em falta de apoio social em casos onde não há uma rede familiar ou comunitária que o auxilie nas decisões e cuidados básicos [9].

 

É necessário considerar como a legalização da eutanásia afetaria os profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas etc), afinal, a interrupção de uma vida é uma decisão drástica e que pode gerar problemas para essas equipes. Sendo assim, seria fundamental que houvesse uma lei clara e que esses profissionais recebessem uma formação adequada para lidar com esse tipo de situação, garantindo que o respeito à vontade do paciente não seja confundido com falta de cuidado. 

 

Além disso, existe a preocupação com a desigualdade no acesso aos serviços de saúde no Brasil, o que intensifica o risco de que a eutanásia se transforme em uma escolha motivada pela ausência de opções de cuidado à saúde de forma digna. Portanto, legalizar a eutanásia sem antes fortalecer os serviços de Cuidados Paliativos, pode representar uma grande falha ética, desviando o foco da construção de uma rede de apoio ampla e acessível [10].

Referências Bibliográficas

[1] G1. Eutanásia: veja quais países permitem a prática, realizada pela primeira vez no Peru. 2024. Disponível através do link: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/04/23/eutanasia-veja-quais-paises-permitem-a-pratica-realizada-pela-primeira-vez-no-peru.ghtml. Acesso em: 05 jun. 2025.

[2] Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União: seção 1, Rio de Janeiro, RJ, 31 dez. 1940. Disponível através do link: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 05 jun. 2025.

[3] DataFolha. Maioria é contra legalização da eutanásia, diz Datafolha. Congresso em Foco. 2007. Disponível através do link: https://congressoemfoco.uol.com.br/projeto-bula/reportagem/maioria-e-contra-legalizacao-da-eutanasia-diz-datafolha/. Acesso em: 05 jun. 2025.

[4] Torre JHR. Ortotanásia não é homicídio nem eutanásia. In: Mortiz RD (org). Conflitos bioéticos do viver e do morrer. Câmara técnica sobre terminalidade da vida e cuidados paliativos do conselho federal de Medicina, Brasília: CFM, 2011. Disponível através do link: <https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/conflitos.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2025.

[5] CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Manual de cuidados paliativos. Brasília, DF: CONASS, 2020. Disponível através do link: https://www.conass.org.br/wp-content/uploads/2020/12/Manual-CuidadosPaliativos-versa%CC%83o-final-1.pdf. Acesso em: 05 jun. 2025.

[6] BBC News Brasil. 2015. Em que países a eutanásia é legal e sob quais condições? Disponível através do link: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150911_suicidio_assistido_rb   . Acesso em: 05 jun. 2025.

[7] Atlas da Saúde. 2020. Países onde a morte assistida é possível. Disponível através do link: https://www.atlasdasaude.pt/publico/content/paises-onde-morte-assistida-e-possivel-0. Acesso em: 05 jun. 2025.

[8] Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Testamento vital e diretivas antecipadas de vontade.  Disponível através do link: https://paliativo.org.br/testamento-vital-um-caminho-para-as-conversas-dificeis/. Acesso em: 05 jun. 2025.

[9] Garrafa V, Porto D. Bioética, poder e injustiça. Revista Bioética, v. 11, n. 1, p. 10-23, 2003.

[10] Menezes RA. Cuidados paliativos: o resgate da dignidade no fim da vida. Ciência & Saúde Coletiva, v. 9, n. 1, p. 169-178, 2004.

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