
Espécies em Extinção no Brasil: O Silêncio da Vida
Bárbara Laís Nascimento Silva¹, Bruna Peres Carvallho¹, Anne Aparecida Coelho Costa¹, Driely Rodrigues¹, Gabriel Teodoro Sirimarco², Lívia Corrêa Ferreira¹ e Letícia Gabriela Rocha Cunha³
¹ Graduandas do curso de Bioquímica (UFSJ-CCO)
² Graduando do curso de Medicina (UFSJ-CCO)
³ Graduanda do curso de Farmácia (UFSJ-CCO)
v.3, n.5 2025
Maio de 2025
O Brasil abriga uma das maiores biodiversidades do planeta, mas enfrenta uma silenciosa crise ecológica: a extinção acelerada de suas espécies [1]. Muito além dos conhecidos mico-leão-dourado e ararinha-azul, uma vasta gama de formas de vida desaparece sem alarde, comprometendo equilíbrios ecológicos milenares. Desde o início do Antropoceno, período de tempo em que se tem amplo impacto humano sobre a Terra, estima-se que a taxa de extinção seja mil vezes maior do que aquela observada em períodos geológicos anteriores [2]. No Brasil, lar de aproximadamente 20% da biodiversidade (variedade das espécies) existente no mundo, mais de 1.200 espécies estão ameaçadas de deixarem de existir, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) [3].

Figura 1: Caiarara (Cebus kaapori) em seu habitat natural.
Fonte: Moraes, J (2014).
Enquanto algumas espécies recebem grande atenção, outras desaparecem sem que se saiba sequer de sua existência. Isso nos leva a refletir: como preservar aquilo que mal conhecemos? Entre essas espécies está o Caiarara (Cebus kaapori), encontrado na Amazônia Oriental, nos estados do Pará e Maranhão [4]. Conforme ilustrado na Figura 1, o Caiarara é um primata ameaçado, vítima do desmatamento acelerado para expansão agropecuária e da caça ilegal, comuns nessa região. Essas ações reduziram drasticamente seu habitat, colocando-o entre os 25 primatas (termo usado para se referir a animais popularmente conhecidos como macacos) mais ameaçados do mundo [5]. Esse animal, embora pouco conhecido, desempenha um papel crucial como dispersor de sementes, contribuindo diretamente para a regeneração e preservação das florestas amazônicas — ecossistemas fundamentais para o equilíbrio climático global.
A perda de uma espécie não é apenas um problema ambiental; ela provoca uma reação em cadeia com consequências negativas imprevisíveis. O desaparecimento de polinizadores (que levam o chamado pólen de uma planta para outra contribuindo para a reprodução dos vegetais), como algumas espécies de abelhas sem ferrão e morcegos nectarívoros (que se alimentam do néctar presente em flores), compromete a reprodução de plantas essenciais para a cadeia alimentar, reduzindo a produtividade agrícola e afetando a economia e o acesso a alimentos [6].
Outro exemplo é o peixe-boi-marinho (Trichechus manatus), um mamífero - animal que produz leite para alimentar os filhotes - que ajuda a manter a saúde dos habitats costeiros controlando o crescimento da vegetação aquática e garantindo a saúde dos habitats marinhos. Sua ausência pode levar ao desequilíbrio ecológico, resultando no aumento excessivo de certas plantas aquáticas e em uma piora na qualidade da água. Além disso, comunidades ribeirinhas que dependem do ecoturismo baseado na observação desses animais perdem uma importante fonte de renda sustentável. O desaparecimento do peixe-boi-marinho compromete não apenas a biodiversidade, mas também a identidade cultural e os meios de subsistência dessas populações [7].
Diante desse cenário, surgem esforços para reverter o quadro. Um exemplo inspirador é o trabalho de Patrícia Medici, bióloga e especialista na conservação da anta-brasileira (Tapirus terrestris). Medici é fundadora do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e coordenadora da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB), que há mais de 25 anos trabalha na preservação do maior mamífero terrestre da América do Sul. Seu trabalho foi fundamental para que o Brasil se tornasse o país com o maior banco de dados sobre antas no mundo.
A Figura 2 mostra Patrícia Médici durante suas atividades de campo Ela e sua equipe monitoram antas em diferentes biomas brasileiros, incluindo a Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado e Amazônia, pois entendem que a conservação da espécie deve considerar as particularidades de cada região. Seu trabalho envolve rastreamento via GPS, análise da saúde das populações e conscientização de comunidades locais sobre a importância das antas para o equilíbrio ecológico.
O monitoramento das antas ocorre por meio da instalação de armadilhas fotográficas em áreas estratégicas e da captura de indivíduos para a colocação de colares de rastreamento via satélite. Durante esses procedimentos, também é realizada a coleta de sangue, urina, leite, carrapatos, pelos e tecidos, permitindo uma análise detalhada da saúde dos animais. Além disso, a equipe do INCAB utiliza as antas como "sentinelas ambientais", pois os impactos que afetam a espécie, como atropelamentos e contaminação por agrotóxicos, também representam riscos para a saúde humana [8].

Figura 2: Patrícia Medici.
Fonte: Conexão Planeta (2024).
O trabalho de Patrícia Medici ajudou a reduzir conflitos entre fazendeiros e antas, além de influenciar políticas públicas de conservação. Seu impacto foi reconhecido internacionalmente, levando-a a receber o Whitley Gold Award, um dos maiores prêmios ambientais do mundo [9]. A conservação dessa espécie não é apenas uma questão ecológica, mas também um passo essencial para a manutenção da biodiversidade brasileira e o equilíbrio dos ecossistemas naturais.
Além das ações em campo, a ciência também desempenha um papel fundamental na preservação de espécies ameaçadas. A genética (ciência que estuda a transmissão de características entre pais e filhos) e a biotecnologia (conjunto de ferramentas que utiliza organismos vivos para produzir produtos de interesse humano e melhorar processos importantes) têm se tornado aliados indispensáveis na conservação da fauna ameaçada. O sequenciamento genômico (estabelecimento da sequência de blocos que constroem o DNA presente no núcleo das células) permite mapear a diversidade genética de populações vulneráveis, ajudando a identificar riscos de endogamia (reprodução de indivíduos que são parentes) e a planejar estratégias de reprodução assistida (reprodução com auxílio de técnicas laboratoriais). No caso da arara-azul (Cyanopsitta spixii), sua reintrodução na natureza só foi possível graças a programas de reprodução em cativeiro aliados à restauração de seu habitat natural [10].
A bioquímica (ciência que estuda os processos químicos que acontecem em seres vivos) tem sido também essencial na preservação de animais ameaçados. Técnicas como a criopreservação de gametas (preservação de células reprodutivas a baixas temperaturas) e embriões garantem a manutenção da diversidade genética de espécies à beira da extinção. O Projeto Bio Resgate, por exemplo, armazena células-tronco (células com poder de se transformarem em diferentes tipos celulares) de animais ameaçados, permitindo futuras tentativas de reprodução assistida [11].
Além de garantir a sobrevivência das espécies, os avanços biotecnológicos também revelam o imenso potencial que a biodiversidade tem para a ciência e a medicina. A natureza é um verdadeiro laboratório vivo, espécies ameaçadas podem conter compostos bioativos (com atividades em seres vivos como a de anti-inflamatório) essenciais para a medicina. O sapo-flecha (Phyllobates terribilis), por exemplo, possui toxinas em sua pele que inspiraram analgésicos 200 vezes mais potentes que a morfina, sem os efeitos colaterais viciantes desta [12]. O desaparecimento desses anfíbios pode significar a perda de potenciais tratamentos para doenças como Alzheimer, câncer e dor crônica [13].
A biodiversidade brasileira é uma riqueza incomparável que está desaparecendo a um ritmo alarmante. Cada espécie perdida representa um silêncio irreversível na sinfonia da vida, e seu desaparecimento pode significar a perda de oportunidades científicas, tecnológicas e ambientais que ainda nem conhecemos. A conservação precisa ser vista não apenas como um esforço ecológico, mas como um investimento na ciência, na saúde e no futuro da humanidade.
Cuidar da biodiversidade não é apenas salvar "animais fofos"; é garantir a sobrevivência do próprio planeta.
Referências Bibliográficas
[1] Nações Unidas. Um milhão de espécies ameaçadas de extinção, alerta relatório histórico da ONU. ONU News. 2019. Disponível através do link: https://news.un.org/pt/story/2019/03/1662482. Acesso em: 04 mai. 2025.
[2] De Vos JM et al. Estimating the normal background rate of species extinction. Conserv Biol. v. 29, n. 2, p. 452–462, 2015. Disponível através do link: https://doi.org/10.1111/cobi.12380. Acesso em: 04 mai. 2025.
[3] ICMBio. Cebus kaapori – Ficha técnica. Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB). Disponível através do link: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/centros-de-pesquisa/primatas-brasileiros/arquivos/fichas_primatas/CEBIDAE/ficha_cebus_ kaapori.pdf. Acesso em: 04 mai. 2025.
[4] ICMBio. Dois primatas brasileiros na lista dos mais ameaçados do mundo. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. 2023. Disponível através do link: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/noticias/ultimas-noticias/dois-primatas-brasileiros-na-lista-dos-mais-ameacados-do-mundo. Acesso em: 04 mai. 2025.
[5] Instituto Mamirauá. A preservação do peixe-boi na Amazônia. 2021. Disponível através do link: https://mamiraua.org.br. Acesso em: 04 mai. 2025.
[6] BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Relatório aponta importância da polinização para a agricultura. Governo do Brasil. 2023. Disponível através do link: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/relatorio-aponta-importancia-da-polinizacao-para-a-agricultura. Acesso em: 04 mai. 2025.
[7] IPAM. Patrícia Medici e o maior banco de dados sobre antas do mundo. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. 2023. Disponível através do link: https://ipam.org.br/patricia-medici-e-o-maior-banco-de-dados-sobre-antas-do-mundo/. Acesso em: 04 mai. 2025.
[8] Whitley Fund for Nature. Tapirs as conservation flagships. Whitley Awards. 2020. Disponível através do link: https://whitleyaward.org/winners/tapirs-as-conservation-flagships/. Acesso em: 04 mai. 2025
[9] Mans C. Amphibians and their importance in human health: potential for the discovery of new medicines. J Transl Sci v. 7, n.3, p. 1–4, 2020. Disponível através do link: https://www.oatext.com/pdf/JTS-7-411.pdf. Acesso em: 04 mai. 2025.
[10] Daly JW et al. Alkaloids from frog skin: The discovery of epibatidine and the potential for developing novel non-opioid analgesics. Nat Prod Rep v. 17, n. 2, p. 131–135, 2020. Disponível através do link: https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2000/np/a709175c. Acesso em: 04 mai. 2025.
[11] Hildebrandt TB et al. The ART of bringing extinction to a freeze: history and future of assisted reproduction in species conservation. Theriogenology v.150, p. 8–14, 2020. Disponível através do link: https://doi.org/10.1016/j.theriogenology.2020.01.012. Acesso em: 04 mai. 2025.
[12] Gauglitz T et al. The complete genome sequence of Cyanopsitta spixii, the Spix’s Macaw. G3 Genes Genomes Genet v. 12, n. 12, jkac258, 2022. Disponível através do link: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9718372/. Acesso em: 04 mai. 2025.
[13] ScienceDaily. Extinction: What’s causing it and why we should care. ScienceDaily. 2015. Disponível através do link: https://www.sciencedaily.com/releases/2015/06/150601122258.htm. Acesso em: 4 abr. 2025.